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PASQUALE CIPRO NETO
"Sem que ninguém as vissem"
Nos últimos dias, alguns
jornais publicaram um
anúncio de uma fundação cultural, em que se encontra este trecho: "...sem que ninguém as vissem". O pronome oblíquo "as" se
refere a "fotografias".
Rapidíssimos, alguns leitores
me escreveram para perguntar se
é adequada a forma "vissem".
Não é. O sujeito de "ver" é "ninguém", pronome que habitualmente leva o verbo à terceira pessoa do singular ("Ninguém sabe",
"Ninguém conseguiu", "...sem
que ninguém as visse" etc.).
A questão não se esgota aí. Talvez seja interessante analisar o
que leva quem fala ou escreve a
optar por construções como a que
se vê no anúncio citado. Esse,
aliás, tem sido o procedimento de
muitas bancas examinadoras de
vestibulares importantes, que não
se limitam a perguntar qual é a
forma inadequada ou qual é a
forma que deveria ter sido empregada. Pede-se isso, sim, mas também se pede o porquê do desvio.
No caso de "sem que ninguém
as vissem", certamente é a proximidade do verbo com a forma
plural "as" o motivo do desvio. O
falante/redator se deixa levar pela atração exercida pelo "as" e
acaba flexionando o verbo em
concordância com esse pronome.
A esta altura, o leitor talvez
queira perguntar se a explicação
do desvio o torna legítimo. Não o
torna, mas serve para mostrar
que ninguém está livre de cochilos
como esse. Nesses casos, uma boa
e atenta releitura costuma eliminar o problema.
A frase do anúncio me trouxe à
mente uma questão da Fuvest,
baseada neste trecho de um sermão de Vieira: "A primeira coisa
que me desedifica, peixes, de vós é
que comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior". A
banca pediu aos candidatos que
reescrevessem o segundo período,
substituindo "escândalo" por "escândalos" e fazendo as adaptações estritamente necessárias.
Pois bem, quando se troca "escândalo" por "escândalos", é estritamente necessário (na primeira oração do período) trocar
"grande escândalo é este" por
"grandes escândalos são estes".
Na segunda oração, o substantivo
"escândalo" é retomado pelo pronome "o" ("mas a circunstância o
faz") e qualificado pelo adjetivo
"maior" ("o faz ainda maior"),
portanto "o" deve passar a "os" e
"maior", a "maiores".
É bom lembrar que a troca de
"escândalo" por "escândalos"
não implica a troca de "circunstância" por "circunstâncias".
Vamos à frase toda, então? Vamos lá: "Grandes escândalos são
estes, mas a circunstância os...". E
agora? Que forma verbal usar:
"faz" ou "fazem"? Como o sujeito
da segunda oração é "a circunstância", a forma escolhida só pode ser "faz": "Grandes escândalos
são estes, mas a circunstância os
faz ainda maiores".
Quando se põe essa questão numa prova, não são poucos os alunos que flexionam o verbo "fazer"
no plural ("mas a circunstância
os fazem"), o que comprova a influência exercida pelo termo mais
próximo do verbo na decisão sobre a concordância adotada.
Que fazer, afinal? Nada que vá
além de uma cuidadosa releitura.
Pronomes como "os" e "as", oblíquos, não costumam funcionar
como sujeito, por isso não devem
levar o verbo ao plural. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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