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LETRAS JURÍDICAS
Sem-terra, sem-teto ou sem-lei?
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A morte do jornalista deu o tom
trágico ao que o governador de
São Paulo, após o apossamento
de prédio no centro da capital,
havia considerado "um espetáculo de invasão". Eram os sem-teto.
Têm ocorrido outras invasões
-estas em áreas rurais, protagonizadas pelos sem-terra. Tanto
aqueles quanto estes prometendo
resistir caso uma ordem judicial
determine a reintegração de posse dos proprietários.
A Constituição afirma (artigo
5º) a inviolabilidade do direito de
propriedade no quadro dos direitos e garantias fundamentais da
cidadania e dos indivíduos. Lida
isoladamente, essa parte da Carta
Magna afirmaria, de modo muito
claro, que as invasões violam o direito dos proprietários, e são, portanto, inaceitáveis em si mesmas
e mais inaceitáveis ainda se houver resistência à ordem judicial.
Acontece, porém, que a Constituição também afirma a função
social da propriedade, substituindo o raciocínio do direito privado
pela visão pública do conjunto
dos direitos em sua relatividade.
Serve de exemplo a definição do
artigo 186, quanto à propriedade
rural. Nesse dispositivo, a função
social é cumprida quando o imóvel "atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei," vários
requisitos, entre os quais o aproveitamento racional e adequado,
a preservação do ambiente e a exploração que favoreça proprietários e trabalhadores.
Os sem-teto invadiram imóveis
urbanos desocupados ou insuficientemente ocupados. O artigo
182 da Carta começa dizendo que
a política de desenvolvimento urbano é executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei. Seu
objetivo consiste em ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes. O
leitor ponderará que a expressão
"funções sociais da cidade" se
presta a todas as interpretações,
ao gosto de cada intérprete. A crítica é procedente, mas o texto sustenta a consciência social.
Pensemos mais que todo cidadão tem o direito constitucional
(artigo 6º) de morar num espaço
capaz de o abrigar com sua família. Nas grandes cidades, isso não
tem sido possível, tanto que se
formam favelas e cortiços de condições subhumanas. Formam-se,
é bom dizer, não somente em São
Paulo ou no Rio de Janeiro mas
em todas as grandes cidades, de
Nova York a Moscou.
A diversidade das alternativas
se presta a posições radicais. Há
os que pretendem a expulsão violenta, mas a questão social raramente, quase nunca, é policial.
Consiste em encontrar espaços
compatíveis com a necessidade
de morar ou com a necessidade
de obter o sustento no trabalho
agro-pecuário.
Mas e os proprietários, com
longo tempo de atividades agrícolas ou empenhados na construção de prédios e casas? Cada atingido pelas invasões é ofendido no
seu capital, no seu trabalho, porquanto elas são, em si mesmas, irregulares, explicáveis apenas pela
busca de um teto ou de um espaço de trabalho em locais que o
proprietário mantém sem aproveitamento, até que o progresso
lhe dê lucros, quando valorizados
por atos do poder público, pagos
por todos. O empreendedor ativo, atento ao desenvolvimento,
tem direito à proteção. O proprietário injustificadamente inerte
não o tem. É o que resulta da
Constituição e das leis e deve levar-nos ao meio-termo do
equilíbrio.
Em síntese: a invasão sem limites não é direito; a propriedade
sem limites não é direito. A solução, instalado o conflito, está no
Judiciário, com o cumprimento
do que for decidido, rapidamente, pelo juiz competente.
Sem greve.
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