São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2001

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AMBIENTE

Temendo concentração de metano, que não existia, técnicos permitiram que substância cancerígena atingisse o ar

Ação da Cetesb em Mauá liberou gás tóxico

MELISSA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A Cetesb, a agência do governo paulista responsável por zelar pela qualidade ambiental, já despejou no ar respirado pelos 7.500 moradores do Residencial Barão de Mauá uma parte das 44 substâncias tóxicas encontradas no local, inclusive o benzeno, que é cancerígeno. O desastre ocorreu em 20 de abril de 2000, após a explosão na caixa-d'água do condomínio de Mauá (Grande São Paulo) que matou uma pessoa e deixou outra gravemente ferida.
Preocupados com a possibilidade de uma nova explosão, e suspeitando de que havia gás metano no local, os técnicos da companhia optaram por deixar a tampa da caixa-d'água entreaberta, até que a concentração da substância baixasse de 40% para 10%.
A informação consta do relatório da Cetesb sobre a ocorrência, com data de 4 de maio do ano passado, assinado pelo administrador do escritório da companhia em Santo André, Marco Antônio Lainha, e pelos técnicos ambientais Antônio Carlos Bezerra e Ronaldo de Oliveira Silva.
"Os equipamentos (...) indicaram concentrações da ordem de 40% (...). Optou-se por manter a ventilação natural da caixa [tampa entreaberta" a fim de evitar o confinamento e, por conseguinte, o aumento das concentrações (...) foi realizado novo monitoramento na aludida câmara, sendo registrada concentração de 10%", afirma trecho do relatório.
O documento faz parte do processo sobre o caso de contaminação no subsolo do Residencial Barão de Mauá, que está sendo avaliado pelo Ministério Público.
Também consta no texto que, desde a explosão, os técnicos da Cetesb foram informados pelos moradores de que o local em que foram construídos os prédios havia sido utilizado anteriormente para depósito de lixo industrial e domiciliar. O terreno fora propriedade da Cofap (Companhia Fabricadora de Peças).
Os técnicos afirmam que apenas as informações sobre resíduos industriais fornecidas pelos moradores foram confirmadas pela construtora SQG, responsável pelo empreendimento.
Desde que a contaminação foi divulgada pela Cetesb, no último dia 16, a companhia vinha afirmando que não tinha conhecimento, antes dessa data, de que o local tivesse sido utilizado para deposição de lixo industrial.
Embora tivessem essa informação, os técnicos suspeitaram que os resíduos estivessem gerando metano (gás comum em aterros sanitários) e não se preocuparam em analisar, de pronto, outras substâncias que poderiam estar sendo geradas a partir dos resíduos industriais.
Segundo o relatório, a Cetesb chegou ao Barão de Mauá no dia da explosão, quase cinco horas após o acidente, quando foi chamada pelos moradores.
Os técnicos do setor de Operações de Emergência da agência teriam então inspecionado a caixa-d'água com aparelhos calibrados segundo o LIE (limite inferior de explosividade). Foram utilizados: um alarme de gás combustível, calibrado para pentano; um analisador minigás, calibrado para metano; um monitor de vapores orgânicos, calibrado para isobutileno; e um multi-gás-detector.
Os aparelhos, conforme o documento, mediram a concentração de gases segundo o nível mínimo necessário para gerar combustão. Ou seja, os técnicos da agência ambiental não detectaram todas as substâncias presentes no local.
Segundo o engenheiro químico José Possebon, pesquisador da Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho), esses tipos de aparelhos, empregados pela Cetesb, só medem risco de explosão. Não são próprios para detectar a presença de benzeno.
"Eles tinham que ter feito uma análise do tipo de substância que havia ali. Se fosse apenas lixo doméstico, tudo bem, mas havia resíduo industrial. Eles não poderiam liberar as substâncias na atmosfera sem saber o que tinha ali. Provavelmente a população ficou exposta a isso", afirma.
Após a explosão, a Cetesb multou a SQG e exigiu que fosse feita uma análise completa das substâncias. Decisão tardia. A própria agência já havia depositado os vapores tóxicos na atmosfera.
A análise das substâncias só chegaria às mãos da construtora em agosto do ano passado, em um relatório da empresa contratada CSD-Geoklock.
No processo, há um laudo da Geoklock, de dezembro de 2000, negando que houvesse metano no subsolo do condomínio. A análise completa só foi entregue à Cetesb em fevereiro deste ano.
"Inicialmente, suspeitou-se da existência do composto volátil metano em função de alguns indícios, como presença de explosividade, ausência de odor e capacidade do mesmo de ser gerado de forma natural. Essa possibilidade foi levantada inclusive por técnicos da Cetesb que estiveram no local após a ocorrência do acidente. Os resultados analíticos obtidos não apresentam compostos de cadeias pequenas como o metano, os quais, à temperatura ambiente e pressão atmosférica apresentam-se na forma gasosa, e não vapor", afirma o laudo.
A Geoklock sugere no parecer que, em se tratando de substâncias nocivas à saúde (além do benzeno, há clorobenzeno e tolueno, que são altamente tóxicos), fosse feito um tratamento dos vapores antes de jogá-los na atmosfera.
Após a explosão, todas as antecâmaras das caixas-d'água foram aterradas. Isso pode ter repetido a operação de deposição dos gases no ar, já que os vapores presentes no subsolo ocupam naturalmente os espaços que estiverem vazios.



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