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WALTER CENEVIVA
Quantificação não dá qualidade
Quem não transpusesse fatos observados para textos de qualidade não sobrevivia nas velhas redações
É
MAIS ou menos inevitável retomar o tema do ensino superior antes que agosto termine.
É o mês no qual se comemora a instalação dos cursos jurídicos, com o
funcionamento da escola de direito
no largo São Francisco, em São Paulo. As projeções estatísticas do ensino jurídico valem para as outras carreiras clássicas (medicina e engenharia), mas não para as mais novas.
Valem porque também cresceu
muito a disponibilidade de cursos
para aquelas profissões, embora em
menor escala que em direito. A projeção não vale para carreiras novas.
Tome-se a comparação mais característica na área de humanas, com
jornalismo, publicidade e propaganda, dado o grande número de candidatos aos seus cursos.
A verificação estatística tem gerado a tese de que, sendo ocupada a base de uma pirâmide por número
maior de indivíduos, tenderá a elevar a qualidade dos que compuserem seu topo. A convicção não é abonada no ensino superior, pois o crescimento quantitativo quebrou a
qualidade. Em direito, tomado o
exemplo de São Paulo, o número de
advogados (assim chamados porque
inscritos na OAB) foi multiplicado
por 25 em 50 anos. Os bacharéis em
direito, mas não inscritos na OAB,
devem passar do milhão. Resultaram dois dados negativos. Pelo primeiro, cerca de metade dos que receberam sua carteira da OAB não
tem qualificação efetiva para dar
apoio seguro a seus clientes nem em
juízo nem fora dele, ameaçando
bens fundamentais como o patrimônio e a liberdade deles.
Na medicina e na engenharia se
observam fenômenos semelhantes,
mesmo sem a mesma quantificação.
O mercado de trabalho não absorve
a massa de formandos nem para a
residência (na medicina) nem para o
treinamento prático (na engenharia
e na arquitetura). Quanto a estas
duas profissões cabe a nota de que
eram unificadas até a metade do século 20, gerando pequenas distorções, mas a conclusão persiste.
Jornalismo não é profissão nova.
Evaristo da Veiga, Silva Jardim, Alcindo Guanabara, Líbero Badaró são
nomes que saltam da memória, tratando-se de jornalistas de outras
eras. A base da carreira do jornalismo de hoje é, com predominância
absoluta, a do jornalista-empregado
para a qual, de tempos em tempos,
se insiste na exigência de diploma.
Sou suspeito, pois quando comecei
não se pensava em exigir diploma,
embora já funcionasse e fosse respeitada a Faculdade de Jornalismo
Cásper Líbero. A seleção era natural.
O cidadão que não conseguisse
enunciar ordenadamente e por escrito seu pensamento ou transpor
fatos observados para textos de boa
qualidade não sobrevivia nas velhas
redações. O jornalismo, assim como
a publicidade, se transformou em
ciência humana de muitos caminhos e especialidades.
O conjunto das informações reunidas, a respeito das carreiras mencionadas, resulta na clara indicação
de que o preparo dos formandos tem
sido insuficiente na área intelectual
e na prática. Todo isso sem falar no
rebaixamento ético gerado pela
quantidade de gente buscando um
lugar ao sol, sem encontrar repercussão compatível no mercado de
trabalho. Há reações a assinalar,
mas não para grandes resultados a
prazo breve, se tirarmos a vista dos
números e a mantivermos na
qualidade.
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