São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

WALTER CENEVIVA

Quantificação não dá qualidade

Quem não transpusesse fatos observados para textos de qualidade não sobrevivia nas velhas redações

É MAIS ou menos inevitável retomar o tema do ensino superior antes que agosto termine. É o mês no qual se comemora a instalação dos cursos jurídicos, com o funcionamento da escola de direito no largo São Francisco, em São Paulo. As projeções estatísticas do ensino jurídico valem para as outras carreiras clássicas (medicina e engenharia), mas não para as mais novas. Valem porque também cresceu muito a disponibilidade de cursos para aquelas profissões, embora em menor escala que em direito. A projeção não vale para carreiras novas. Tome-se a comparação mais característica na área de humanas, com jornalismo, publicidade e propaganda, dado o grande número de candidatos aos seus cursos.
A verificação estatística tem gerado a tese de que, sendo ocupada a base de uma pirâmide por número maior de indivíduos, tenderá a elevar a qualidade dos que compuserem seu topo. A convicção não é abonada no ensino superior, pois o crescimento quantitativo quebrou a qualidade. Em direito, tomado o exemplo de São Paulo, o número de advogados (assim chamados porque inscritos na OAB) foi multiplicado por 25 em 50 anos. Os bacharéis em direito, mas não inscritos na OAB, devem passar do milhão. Resultaram dois dados negativos. Pelo primeiro, cerca de metade dos que receberam sua carteira da OAB não tem qualificação efetiva para dar apoio seguro a seus clientes nem em juízo nem fora dele, ameaçando bens fundamentais como o patrimônio e a liberdade deles.
Na medicina e na engenharia se observam fenômenos semelhantes, mesmo sem a mesma quantificação. O mercado de trabalho não absorve a massa de formandos nem para a residência (na medicina) nem para o treinamento prático (na engenharia e na arquitetura). Quanto a estas duas profissões cabe a nota de que eram unificadas até a metade do século 20, gerando pequenas distorções, mas a conclusão persiste.
Jornalismo não é profissão nova. Evaristo da Veiga, Silva Jardim, Alcindo Guanabara, Líbero Badaró são nomes que saltam da memória, tratando-se de jornalistas de outras eras. A base da carreira do jornalismo de hoje é, com predominância absoluta, a do jornalista-empregado para a qual, de tempos em tempos, se insiste na exigência de diploma. Sou suspeito, pois quando comecei não se pensava em exigir diploma, embora já funcionasse e fosse respeitada a Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero. A seleção era natural. O cidadão que não conseguisse enunciar ordenadamente e por escrito seu pensamento ou transpor fatos observados para textos de boa qualidade não sobrevivia nas velhas redações. O jornalismo, assim como a publicidade, se transformou em ciência humana de muitos caminhos e especialidades.
O conjunto das informações reunidas, a respeito das carreiras mencionadas, resulta na clara indicação de que o preparo dos formandos tem sido insuficiente na área intelectual e na prática. Todo isso sem falar no rebaixamento ético gerado pela quantidade de gente buscando um lugar ao sol, sem encontrar repercussão compatível no mercado de trabalho. Há reações a assinalar, mas não para grandes resultados a prazo breve, se tirarmos a vista dos números e a mantivermos na qualidade.


Texto Anterior: Entrevista: "Espero que encontrem o outro João"
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.