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MOACYR SCLIAR
Namoro & Futebol
Elas querem a sua chuteira. Desafiar
os meninos para jogar futebol virou
mania nas escolas; e não é que as garotas estão batendo um bolão?
Folhateen, 12 de setembro de 2005
Eles se conheceram na escola, onde cursavam a mesma
classe. E foi o legítimo amor à primeira vista. Uma semana depois
já estavam namorando, e namorando firme. Eram desses namorados que fazem as pessoas suspirar e dizer baixinho: meu Deus, o
amor é lindo. Ele, 17 anos, alto,
forte, simpático; ela, 16, uma beleza rara. Logo estavam se visitando em casa. Os pais de ambos davam a maior força para o namoro
e antecipavam um casamento no
futuro: os dois formavam o casalzinho ideal. Inclusive porque gostavam das mesmas coisas: ler, ir
ao cinema, passear no parque.
Mas alguma coisa tinha de aparecer, não é mesmo? Alguma coisa sempre aparece para perturbar
mesmo o idílio mais perfeito.
Foi o futebol.
Ele era maluco pelo esporte. Jogava num dos vários times da escola, no qual era o goleiro. Um
grande e esforçado goleiro, cujas
defesas muitas vezes arrancavam
aplausos da torcida.
Ela costumava assistir as partidas. No começo nem gostava
muito, mas então passou a se interessar. Um dia disse ao namorado que queria jogar também,
no time das meninas da escola.
Para surpresa dela, ele se mostrou
radicalmente contrário à idéia.
Disse que futebol era coisa para
homem, que ela acabaria se machucando. Se queria praticar algum esporte, deveria escolher o
vôlei. Ela ficou absolutamente revoltada com o que considerou
uma postura machista dele. Disse
que iria começar a treinar de
qualquer jeito.
Começou mesmo. E levava jeito
para a coisa: driblava bem, tinha
um chute potente. Só que aquilo
azedava cada vez mais as relações entre eles. Discutiam com
freqüência e acabaram decidindo
dar um tempo. Uma notícia que
deixou a todos consternados.
Passadas umas semanas, a surpresa: o time das meninas desafiou o time em que ele era goleiro
para uma partida.
Ele tentou o possível para convencer os companheiros a não jogar com elas. No fundo, porém,
não queria se ver frente a frente
com a namorada, ou ex-namorada. Os outros perceberam isso,
disseram que era bobagem e o jogo foi marcado.
Ele estava tenso, nervoso. E não
podia tirar os olhos dela. Agora tinha de admitir: jogava muito
bem, a garota. Era tão rápida,
quando graciosa e, olhando-a, ele
sentia que, apesar das discussões,
ainda gostava dela.
De repente, o pênalti. Pênalti
contra o time dos garotos. E ela
foi designada para cobrá-lo. Ali
estavam os dois, ele nervoso, ela
absolutamente impassível. Correu para a bola -no último segundo ainda sorriu- e bateu forte. Um chute violento que ele,
bem posicionado, defendeu. Sob
os aplausos da torcida.
O jogo terminou zero a zero.
Eles se reconciliaram e agora estão firmes de novo. Mas uma dúvida o persegue: será que ela não
chutou a bola para que ele fizesse
a brilhante defesa? Não teria sido
aquilo um gesto, por assim dizer,
de reconciliação?
Ela se recusa a responder a essa
pergunta. Diz que um pouco de
mistério dá sabor ao namoro. E
talvez tenha razão. O fato é que,
desde então, ela já cobrou vários
pênaltis. E não errou nenhum.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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