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PASQUALE CIPRO NETO
Por falar em causa e consequência...
Na semana passada, tratamos da relação causa/consequência. Houve dois motes: um
círculo vicioso mal resolvido e o
problema com o cinto do Corsa.
Vamos tocar em mais um ponto
desse assunto. O mote será uma
questão da Fuvest, baseada neste
trecho de "Vidas Secas", monumento literário escrito por Graciliano Ramos: "Ordinariamente
andavam pouco, mas, como haviam repousado bastante na
areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas".
Dizia o enunciado: "Reestruturando-se esse período, mantém-se
o sentido original apenas em:
a) A viagem progredira bem
três léguas, uma vez que haviam
repousado bastante na areia do
rio seco, dado que ordinariamente andavam pouco.
b) Haviam repousado bastante
na areia do rio seco; a viagem
progredira bem três léguas porque ordinariamente andavam
pouco;
c) Porque haviam repousado
bastante na areia do rio seco, ordinariamente andavam pouco, e
a viagem progredira bem três léguas.
d) Ainda que ordinariamente
andassem pouco, a viagem progredira bem três léguas, pois haviam repousado bastante na
areia do rio seco.
e) Em virtude de andarem ordinariamente pouco e de haverem
repousado bastante na areia do
rio seco, a viagem progredira bem
três léguas.".
Antes de transformar o processo
de resolução em verdadeira roleta-russa, é preciso analisar as relações básicas que há no texto de
Graciliano. Para isso, é fundamental levar em conta os conectivos, que são dois: "mas" e "como".
O primeiro ("mas") pertence ao
time das adversativas. A palavra
"adversativo" é da família de
"adverso", "adversário", "adversidade"; estamos, pois, no campo
do contraste, da oposição.
Onde estão os opostos, os contrários? Estão no caminhar ordinário ("pouco") e no daquela circunstância ("bem três léguas").
Basta essa percepção para resolver a questão, já que em apenas
uma alternativa se mantém essa
relação de contraste.
É claro que muda o conectivo
empregado. Agora é "ainda que",
que também expressa contraste,
oposição ("Ainda que seja desonesto, não lhe faltam eleitores").
O outro conectivo do texto de
Graciliano é "como", que, no caso, tem valor causal. Quando se
diz "Como o povo é desinformado, não sabe diferenciar o que é
atribuição de prefeito do que é de
governador", diz-se que a desinformação é causa e que o efeito é
não saber diferenciar.
No caso do texto de Graciliano,
o repouso é causa; a consequência
é a viagem progredir três léguas.
No item "d", essa relação se estabelece com o conectivo "pois".
Como diz a garotada, o resto é
pura viagem. No item "b", o fato
de ordinariamente andarem pouco se transforma em causa de terem andado bastante, o que é falso. No item "c", o repouso é causa
de ordinariamente andarem pouco e do progresso da viagem, o
que também é falso. No "e", o
pouco andar ordinário e o repouso transformam-se na causa de
andarem bastante (hiperfalso).
Como se vê, a mera decoreba
dos nomes das orações e das conjunções não leva a nada. É preciso
pensar direito. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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