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URBANIDADE
Beleza nada natural
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Quando entrava na adolescência, Daniela Schneider saiu de São Paulo para morar em Campos do Jordão.
Acompanhou a mãe, proprietária de uma clínica de nutrição
baseada nos rigores da alimentação natural, dessas em que
sal, açúcar e proteína animal
são riscados do cardápio. Desde
pequena, aprendeu a andar por
trilhas no mato e a apreciar a
beleza dos cantos dos pássaros e
dos movimentos das águas do
rio; o contato íntimo com a natureza fazia parte de sua educação doméstica. Mas uma de
suas grandes descobertas estéticas ocorreu num cenário que
não lembrava nem remotamente nenhum bucolismo. Muito
pelo contrário. Ficou tão seduzida pela beleza de uma favela,
que, durante um ano, se dedicou nas horas vagas a fotografá-la. Daniela atualmente trabalha no departamento de importação de aço inox da siderúrgica
alemã Thyssen Krupp, em São
Paulo. Seu hobby é tirar fotos
em preto-e-branco, uma atividade que a envolveu a ponto de
fazê-la trabalhar meio período.
Na procura de temas, soube que
o arquiteto Ruy Ohtake iria pintar casas na favela de Heliópolis, compondo nas fachadas um
painel artístico. "Fiquei curiosa." Mas ao mesmo tempo receosa. "Tinha medo de ir à favela." Heliópolis lhe traz a sensação de perigo, como para a
maioria dos paulistanos.
Venceu o medo, foi dar uma
olhada nas cores que iam nascendo nas fachadas e decidiu fotografá-las, incorporando em
seu ângulos os moradores de
Heliópolis. Tomou ali a decisão
de abandonar por um tempo as
fotos em preto-e-branco e de
acompanhar até o fim aquela
experiência. "Fiquei encantada
com aquelas cores surgindo naquele lugar tão sem cor. E, mais
ainda, com o jeito acolhedor dos
moradores."
Todo esse trabalho, porém, estava condenado à clandestinidade ou a alguma mostra sem
maiores destaques; afinal, Daniela, apesar de levar a sério o
hobby, é uma amadora. Ruy
Ohtake viu o trabalho, gostou e
fez-lhe a inesperada oferta -
expô-las em seu espaço dedicado à experiência de Heliópolis,
na Bienal de Arquitetura, iniciada na semana passada em
São Paulo. Nesse gesto, tanto
ela, hoje nos seus 50 anos, como
Heliópolis, com seus 120 mil habitantes, descobriram um novo
olhar da estética.
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