São Paulo, quarta-feira, 26 de outubro de 2005

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URBANIDADE

Beleza nada natural

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Quando entrava na adolescência, Daniela Schneider saiu de São Paulo para morar em Campos do Jordão. Acompanhou a mãe, proprietária de uma clínica de nutrição baseada nos rigores da alimentação natural, dessas em que sal, açúcar e proteína animal são riscados do cardápio. Desde pequena, aprendeu a andar por trilhas no mato e a apreciar a beleza dos cantos dos pássaros e dos movimentos das águas do rio; o contato íntimo com a natureza fazia parte de sua educação doméstica. Mas uma de suas grandes descobertas estéticas ocorreu num cenário que não lembrava nem remotamente nenhum bucolismo. Muito pelo contrário. Ficou tão seduzida pela beleza de uma favela, que, durante um ano, se dedicou nas horas vagas a fotografá-la. Daniela atualmente trabalha no departamento de importação de aço inox da siderúrgica alemã Thyssen Krupp, em São Paulo. Seu hobby é tirar fotos em preto-e-branco, uma atividade que a envolveu a ponto de fazê-la trabalhar meio período. Na procura de temas, soube que o arquiteto Ruy Ohtake iria pintar casas na favela de Heliópolis, compondo nas fachadas um painel artístico. "Fiquei curiosa." Mas ao mesmo tempo receosa. "Tinha medo de ir à favela." Heliópolis lhe traz a sensação de perigo, como para a maioria dos paulistanos.
Venceu o medo, foi dar uma olhada nas cores que iam nascendo nas fachadas e decidiu fotografá-las, incorporando em seu ângulos os moradores de Heliópolis. Tomou ali a decisão de abandonar por um tempo as fotos em preto-e-branco e de acompanhar até o fim aquela experiência. "Fiquei encantada com aquelas cores surgindo naquele lugar tão sem cor. E, mais ainda, com o jeito acolhedor dos moradores."
Todo esse trabalho, porém, estava condenado à clandestinidade ou a alguma mostra sem maiores destaques; afinal, Daniela, apesar de levar a sério o hobby, é uma amadora. Ruy Ohtake viu o trabalho, gostou e fez-lhe a inesperada oferta - expô-las em seu espaço dedicado à experiência de Heliópolis, na Bienal de Arquitetura, iniciada na semana passada em São Paulo. Nesse gesto, tanto ela, hoje nos seus 50 anos, como Heliópolis, com seus 120 mil habitantes, descobriram um novo olhar da estética.


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