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TRÂNSITO
Pesquisa feita em Salvador aponta que veículos com insulfilm lideram infrações; especialista defende rever permissão de uso
Carro com vidro escurecido é mais infrator
ALENCAR IZIDORO
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os carros com películas que escurecem os vidros em níveis que
dificultam a identificação do condutor são, em geral, mais infratores no trânsito que a média da frota. A constatação apareceu, "sem
querer", em uma pesquisa feita
neste ano em Salvador pelo engenheiro Horácio Augusto Figueira.
Figueira, que é professor da
Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo, foi convidado
pela SET (Superintendência de
Engenharia de Tráfego) da capital
baiana para fazer um estudo sobre dois tipos de infrações cometidas pelos motoristas -a ultrapassagem no sinal vermelho e a
parada na faixa de pedestres. Foram 234 horas de levantamento,
com a observação de 200 mil veículos -quase 45% da frota.
O resultado apontou que
14,42% dos automóveis particulares cujos vidros não permitiam a
identificação dos motoristas
-essencialmente por conta das
películas conhecidas no mercado
como insulfilm, nome comercial
de uma das marcas- cometeram
alguma das infrações analisadas.
Esse grupo ficou em primeiro
lugar no ranking, seguido pelas
motocicletas particulares
-11,72%. A média, entre todos os
tipos de veículo (ônibus, táxis, caminhões e vans, por exemplo), foi
de 2,77%. Entre os carros dirigidos por homens e mulheres,
2,46% e 1,71%, respectivamente.
Essa conclusão apareceu "sem
querer" porque não era essa a intenção da pesquisa. Os automóveis com as películas escuras nos
vidros foram classificados apenas
por causa da dificuldade dos pesquisadores de campo de identificação, nesses casos, do sexo de
quem estava no volante.
Em seu estudo, Figueira diz que
as películas que não permitem
observar quem está dirigindo tendem "a gerar ações e comportamentos não-identificáveis, ou seja, preserva-se visualmente, perante a sociedade em geral, a identidade do condutor infrator".
O engenheiro recomenda ainda
à SET que encaminhe os resultados da pesquisa ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) "para que seja estudada, pesquisada e revista a questão das películas nos vidros dos veículos".
Estética e segurança
Esses números não podem ser
aplicados automaticamente a
qualquer região do país. As características de quem tem a película
não são iguais em todos os lugares, alerta o pesquisador.
Em Salvador, segundo Cristina
Aragon, gerente de educação no
trânsito da SET, as razões estéticas ainda predominam entre os
motivos que levam à aplicação
-enquanto em cidades como
São Paulo há uma expansão para
tentar dificultar os assaltos.
Mas, segundo Figueira, esse
comportamento mais agressivo e
transgressor dos veículos "filmados" também foi observado na
capital paulista -embora não tenha sido quantificado-, onde ele
organizou um levantamento semelhante entre 2001 e 2002.
A primeira explicação para essa
conclusão está ligada à idade do
motorista que dirige esses veículos. A película que escurece os vidros, até por motivos estéticos, é
difundida principalmente entre
os mais jovens -para quem os
carros representam liberdade, poder, sucesso, conceitos que favorecem as atitudes infratoras. Não
é à toa que eles são as principais
vítimas de acidentes -50% das
batidas fatais em São Paulo envolvem motoristas entre 18 e 30 anos.
"Eles não avaliam os riscos como os adultos", reforça Sonia
Chebel Mercado Sparti, psicóloga
e professora da PUC (Pontifícia
Universidade Católica), cuja tese
de doutorado estudou como
agem os jovens no trânsito.
"Há quem se sinta inferiorizado
quando é ultrapassado na estrada
e pense que não é nada sem aquela máquina", afirma Sparti.
Encorajamento
"O motorista se sente encorajado sob a égide desse falso escudo", diz Salomão Rabinovich, diretor do Cepat (Centro de Psicologia Aplicada ao Trânsito), em referência ao fato de as películas -que "protegem" a identidade dos condutores e os deixam num ambiente escuro- servirem de facilitador da transgressão.
"O anonimato pode favorecer comportamentos agressivos, principalmente em relação aos pedestres", diz Figueira. "Muitos colocam a película por segurança.
Mas ainda há quem queira se esconder da sociedade", afirma.
A colocação de um nível de transparência em desacordo com a lei (no caso dos níveis mais escuros) também já pode indicar uma tendência de infringir, de desrespeitar as regras sociais.
A socióloga Alessandra Olivato, que fez dissertação de mestrado
na USP abordando a falta de cidadania no trânsito, diz ter identificado uma banalização do desrespeito às regras por falta de noção de espaço público. "A maioria admite cometer infrações com naturalidade, por motivos individuais.
Cumprir a lei passa a ser visto como um sacrifício pessoal. Não há cidadania", afirma Olivato.
Segundo ela, os "privilégios" também interferem no comportamento do motorista -e as películas escuras, além de uma suposta vantagem estética, podem ser um privilégio ao impedir a constatação de infrações de trânsito como a falta do cinto de segurança e a utilização do celular.
"O carro é usado como status econômico para se diferenciar.
Quem está num carro zero-quilômetro se sente dono do mundo.
Os motoboys, de classe baixa, se sentem discriminados pelos carros grandes e importados", diz.
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