São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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Projeto de praça de Niemeyer para Brasília é ilegal, diz Iphan

Órgão do patrimônio nacional considera que projeto fere tombamento da cidade

A praça e um obelisco foram pensados para o aniversário de 50 anos de Brasília; a arquiteta Maria Elisa, filha de Lucio Costa, também critica

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Começou a dar chabu a ideia do arquiteto Oscar Niemeyer, 101, de presentear Brasília com uma praça e um obelisco no aniversário de 50 anos da cidade, a serem completados no ano que vem. O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) do Distrito Federal considerou o projeto ilegal, por ferir, na avaliação do órgão, um dos artigos do tombamento da cidade: o que proíbe edificação nos canteiros centrais do Eixo Monumental.
Brasília foi tombada pelo governo distrital em 1987 e pelo governo federal em 1994. Os dois tombamentos vetam construções no canteiro central do Eixo Monumental.
A praça e o obelisco, que pode ter até cem metros de altura, seriam a maior intervenção em Brasília desde a sua inauguração em 1960, diz Niemeyer.
A praça ficaria a cerca de 400 metros da rodoviária de Brasília e seria o elo entre o complexo cultural norte, onde fica o Teatro Nacional, e o complexo cultural sul, cujo principal prédio é o da Biblioteca Nacional.
"Não se pode jogar no lixo o projeto de Lucio Costa", diz Alfredo Gaspal, superintendente do Iphan no Distrito Federal, referindo-se ao plano urbanístico sobre o qual foram construídos os prédios e monumentos de Niemeyer. "Esse plano tem um significado para a história do urbanismo que não pode ser alterada."
Para Gaspal, o projeto é ilegal porque ocupa o canteiro central. A avaliação do Iphan pode ser alterada porque é uma opinião de um superintendente, não um julgamento definitivo.
Niemeyer diz que a praça não tem nada de ilegal porque mudar é uma característica inerente às cidades. Ele cita o caso de Paris no século 19, onde prédios históricos foram derrubados para dar lugar aos bulevares, e de Barcelona, cidade que tem resquícios de edificações romanas do século 2, prédios góticos do século 13 e continua a sofrer intervenções.
"A praça que eu proponho faz falta a Brasília. Toda cidade tem uma praça importante onde o povo chega e não esquece mais. Essa é a praça que vou continuar defendendo", disse Niemeyer à Folha.
Não são só os especialistas que são contra. Enquete feita pelo jornal "Correio Braziliense" aponta que 73% dos moradores são contra a obra. É a primeira vez que há tamanha unanimidade contra uma obra de Niemeyer em Brasília.

Vacilo aos 101 anos
A arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio, também critica o projeto. Em carta a Niemeyer, ela pondera que a praça altera a visão da rodoviária, um dos pontos prediletos de Costa: "nesse ponto, a meu ver, [a praça] interfere sim no projeto urbano do meu pai -ele tinha um grande carinho pela rodoviária e por essa fatia contínua onde o céu encosta no chão".
Maria Elisa, porém, diz que a sua crítica está sendo usada pelos que querem criar uma animosidade entre Niemeyer e seu pai. "As pessoas estão usando a praça para colocar o Oscar contra o Lucio, o que não faz o menor sentido, já que Brasília é dos dois. Não é por causa de um vacilo, aos 101 anos, que se vai crucificar o Oscar."
A filha de Lucio propõe a criação de uma praça subterrânea, de forma a não obstruir a visão da rodoviária, e a construção do obelisco fora do Eixo Monumental. O governo do Distrito Federal já está construindo uma torre para TV digital, projetada por Niemeyer, fora da área tombada, no caminho para Sobradinho, uma das cidades satélites.
"Oscar, me perdoa ficar dando palpite, mas creia que além de proteger a rodoviária como pensada pelo Lucio, penso em proteger você das pessoas que não gostam de Brasília, e que vão te "alugar" como pretexto para mexer na legislação do tombamento, o que abre a cancela para as bobagens dos mal-intencionados", diz na carta.
O arquiteto Glauco Campello, que já presidiu o Iphan, toma o partido de Niemeyer por uma razão simples: ela acha que o projeto dele para a cidade não está concluído.
"O trabalho do Oscar ainda não acabou. Acho que o tombamento não deveria estabelecer limitações para o projetista dos prédios e monumentos do Plano Piloto. Não tem sentido engessar a cidade", defende.
O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, já não está tão certo que construirá a praça e o obelisco. Quando ele viu o projeto de Niemeyer, há duas semanas, foi taxativo: "Maravilhoso! Genial! Vamos fazer", disse na ocasião.
Ontem, sua assessoria informou que ele vai esperar a evolução da discussão para decidir o que fazer. A obra, cujo custo não foi calculado, não faz parte do Orçamento deste ano.


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