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Alfabetizado pela mãe, garoto ganha ouro em matemática
Para ir à escola, Ricardo, que é deficiente, é levado pelo pai em um carrinho de mão
Cearense, ele venceu pela segunda vez as Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas; professoras ajudam levando a lição até a casa dele
ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO
Nas estatísticas, a presença
de Ricardo Oliveira da Silva, 19,
na sétima série do ensino fundamental contribui para a alta
defasagem escolar -repetência- no país. No mundo real, é
a história de um vencedor.
Vítima de amiotrofia espinhal (doença neurológica que
causa a atrofia da medula espinhal e fraqueza muscular), Ricardo foi condecorado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, ontem, no Teatro Municipal do Rio, com sua segunda
medalha de ouro nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática
das Escolas Públicas, ocorrida
no ano passado, um galardão
destinado aos 300 melhores do
país, numa disputa que envolveu 17,5 milhões de estudantes.
Ricardo, que vive em Várzea
Alegre (CE), a 467 km de Fortaleza, foi alfabetizado pela mãe,
a dona de casa Francisca Antônia da Conceição, 45, que cursou só até a sexta série. Ela lhe
ensinou regras de português e
as quatro operações básicas de
matemática (soma, diferença,
multiplicação e divisão).
"Não tenho internet. Comecei a estudar com livros do meu
irmão. Agora estudo com livros
emprestados lá da escola. Meu
irmão foi medalhista de bronze
estadual no ano passado. Quem
me matriculou foi o diretor da
escola, que soube da minha história e foi me procurar", conta
em tom de voz baixo, parte por
timidez, parte pelas dificuldades motoras causadas por sua
doença, que o obriga a usar cadeira de rodas.
Atualmente, para fazer as
provas na escola municipal
Joaquim Alves de Oliveira, seu
pai precisa carregá-lo por cerca
de 1 km em um carrinho de
mão. As professoras levam matérias e exercícios a sua casa.
Ricardo vive em um pequeno
sítio cujo acesso é apenas por
estrada de barro e pedra. Sua
família sobrevive com plantação de arroz, feijão e milho
-para subsistência-, R$ 100
da bolsa de iniciação científica
que ganha devido às olimpíadas
e R$ 76 do Bolsa Família.
A Prefeitura de Várzea Alegre não oferece condução para
Ricardo freqüentar o colégio.
"Quando chove fica impossível
andar por ali", diz o pai, Joaquim Oliveira da Silva, 43.
As medalhas de ouro lhe garantem ainda aulas particulares com o professor de matemática Valberto Rômulo Feitosa, 33. "Ele consegue, com livros simples, criar teorias matemáticas. É uma honra dar aula para um aluno como ele."
Ontem, na cerimônia de entrega das medalhas para os 300
melhores alunos das Olimpíadas Brasileiras de Matemática
das Escolas Públicas, Ricardo
foi ovacionado pela platéia do
Teatro Municipal do Rio. Ao fazer o discurso final do evento, o
presidente Lula pediu que o estudante ficasse a seu lado e o citou como exemplo para os demais alunos.
"O Ricardo diz que quer fazer
um curso superior e seguir a
carreira na área de ciências
exatas, matemática ou computação, se o [banco] Itaú der um
computador. Ele sonha ajudar
o país com seus conhecimentos
e diz que, hoje, é o Brasil que está lhe ajudando, mas, amanhã,
pode ser ele que esteja ajudando o Brasil", afirmou o presidente Lula.
"A deficiência física não atrapalha, o que conta é o talento e
o esforço. Todo mundo tem algum defeito. Algumas pessoas
parecem perfeitas, mas têm defeitos muito graves como a preguiça e o desinteresse, por
exemplo", declarou.
A referência ao banco Itaú foi
uma cobrança bem-humorada
feita por Lula -e, anteriormente, também pelo governador
Sérgio Cabral- pelo fato de o
banco, parceiro do governo
também na organização da primeira Olimpíada de Língua
Portuguesa, ter distribuído laptops apenas aos alunos vencedores da olimpíada por três
anos seguintes. Ambos sugeriram ao banco que, da próxima
vez, premie os 300 alunos que
receberam medalhas, e não
apenas os tricampeões.
"Diga-se de passagem, com o
lucro que o Itaú está tendo, isso
não vai custar nada", disse o
presidente.
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