São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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BARBARA GANCIA

O legado de dona Marisa Letícia


A ex-primeira-dama Dulce Figueiredo também gostava de se divertir levando a alegria na base da inconsequência


TENHO UM RELACIONAMENTO assaz conturbado com o Carnaval. Num determinado ano, sou capaz de sair na Mangueira com o samba na ponta da língua, enlouquecida a bambolear pela Sapucaí. E, no outro, só de ouvir falar em chuva, suor e cerveja, minha glote começa a fechar e meu corpo todo é tomado por urticária. Neste 2009, como minha pele ameaçou encrespar pela mera lembrança da "Mamãe Eu Quero" dos bailes de clube, resolvi buscar refúgio da folia no campo argentino. Mas é ilusão pensar que o brasileiro consiga ficar imune ao excesso de alegria desta época do ano. Mesmo que você resolva ir se esconder da Daniela Mercury, do Carlinhos Brown e da Luma de Oliveira debaixo de uma pedra nas ruínas de Angkor Vat, o Carnaval irá pegá-lo pelo rabo de alguma maneira. Nem que isso aconteça lá para a metade do mês de maio, quando você estiver folheando desavisadamente uma revista velha na sala de espera do consultório do dentista e der de cara com as fotos de Adriane Galisteu e de Eliana Dedinhos em cima de algum carro alegórico no sambódromo paulista. De alguma forma, a gente sempre acaba tomando conhecimento de que a Luana Piovani encontrou o novo amor da vida dela no camarote da Brahma ou que a família Gil recebeu o arranjador Quincy Jones para o almoço em Salvador -com Nizan Guanaes e Licia Fabio ajudando a fazer as honras da casa. Pois eu não queria, juro, saber nada sobre o Carnaval de dona Marisa Letícia. Respeito a privacidade da primeira-dama e aplaudo sua discrição. Ela não se manifesta sobre qualquer assunto, mesmo quando está escalada para falar a prefeitos (em evento que antecipou o início da campanha presidencial de 2010), e para mim está melhor assim. Antes uma dona Marisa que guarda suas opiniões para si do que uma primeira-dama que resolve nos brindar com explicações sobre suas preferências no ramo da jardinagem ou do modelismo de trajes de banho. Também não tenho nada contra um "primeiro-casal" que se diverte em público. Prefiro ver a alegria instalada no Alvorada a ser testemunha do cotidiano de um casal funesto como Ernesto e Lucy Geisel. Insisto: não há nada na liturgia do cargo que diga que a mulher do presidente não deva participar do Carnaval. Pode e deve. Uma "primeira-família" que se comporta como gente normal tem mais probabilidade de ser normal, não é mesmo? Mas eu não queria ter voltado da Argentina para descobrir que dona Marisa deu "um trabalhão" à sua segurança particular no desfile da Sapucaí. Não queria tomar conhecimento de que ela "deu goles em copos de cerveja, cercada por amigos para que não fosse fotografada com a bebida". Não queria ter visto as fotos em que ela aparece descabelada e suada. Escracho não tem nada a ver com informalidade. Dona Marisa Letícia não foi à Sapucaí na qualidade de cidadã particular e não tem o direito de se esbaldar publicamente como se não houvesse amanhã numa época em que o brasileiro comum vê seu emprego ameaçado pela crise. Alô, dona Marisa Letícia! A senhora se lembra de Dulce Figueiredo? A ex-primeira-dama também gostava de se divertir levando a alegria na base da inconsequência. E olhe só o legado que ela deixou. O de uma figura um tanto patética e deslumbrada que usava a posição do marido para se bacanar.
barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br

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