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SAÚDE
Custo alto de tratamento alternativo de doença em órgão faz com que paciente de baixa renda se sujeite a riscos de morte e infecção
Mulher pobre retira mais o útero, diz estudo
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quanto menor a renda familiar
e o grau de escolaridade da mulher, maior é a chance de ela passar por uma histerectomia (retirada do útero) na rede pública, revela um estudo do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
No SUS, a histerectomia é a segunda cirurgia mais freqüente entre as mulheres em idade reprodutiva, só perdendo para as cesáreas. Em 2005, foram feitas 112,2
mil retiradas de útero, ao custo de
R$ 67,5 milhões. Os sistemas privado e suplementar de saúde não
têm esses dados.
No estudo da Uerj foram avaliadas 1.945 mulheres, entre 25 e 60
anos, que retiraram o útero por
causas benignas (miomas e sangramentos, principalmente). Essas situações respondem por 90%
das histerectomias no país. Segundo os médicos, muitas delas
poderiam ser tratadas com técnicas capazes de preservar o órgão
da mulher, mas que não estão disponíveis no serviço público em
razão do alto custo.
Os riscos de morte (seis a cada
dez mil, em indicações benignas)
e de infecções pós-cirúrgicas já
justificariam um maior critério na
indicação da cirurgia, avalia a médica Renata Aranha, professora
de ginecologia da UERJ e que fez o
estudo para a tese de doutorado.
Para ela, grande parte das histerectomias feitas no país são desnecessárias. "As mulheres pobres
estão mais expostas, porque não
têm escolha, não podem ouvir segundas opiniões."
No estudo de Aranha, a taxa de
histerectomias entre as mais pobres (menos de três salários mínimos) foi duas vezes e meia maior
em relação ao grupo com renda
per capita acima de seis salários
mínimos. Entre as menos escolarizadas (primeiro grau incompleto), a prevalência foi quase quatro
vezes maior em comparação ao
grupo com ensino superior.
O ginecologista Marcos de Lorenzo Messina, do grupo de miomas do Hospital das Clínicas de
São Paulo, também acredita que
haja um excesso nas indicações de
histerectomias no serviço público. "Os gestores querem resolver
o problema a curto prazo, tirar a
mulher da fila. As mais esclarecidas não aceitam a indicação de retirada do útero, procuram uma
segunda opinião e podem arcar
com outros tipos de tratamento."
Não é o que acontece com a mulher pobre. Um tratamento alternativo para alguns casos de miomas, chamado de embolização,
custa entre R$ 10 mil a R$ 15 mil e
não está disponível no SUS.
Para o controle dos sangramentos uterinos intensos, muitas mulheres poderiam poupar seus úteros com o uso de um dispositivo
intra-uterino (DIU) com progesterona, que custa entre R$ 500 e
R$ 600 e que também não é ofertado pelo governo federal.
Rede Privada
A indicação desnecessária de
histerectomias não está restrita
aos serviços públicos e também
acontece no sistema privado de
saúde por desconhecimento ou
relutância do médico em adotar
novos procedimentos, afirma o
ginecologista Claudio Basbaum,
do Hospital São Luiz.
"Muitos médicos preferem a
forma mais simplista [de extirpar
o útero]. Ainda têm a mentalidade de 40 anos atrás quando se
pensava que o útero só serve para
gerar o bebê e dar câncer", diz ele,
idealizador da campanha "Mulheres, salvem seus úteros."
Nela, o médico defende que as
mulheres que receberem diagnóstico de retirada de útero busquem outras opiniões médicas
antes de aceitarem a histerectomia. Ele afirma que sete em dez
mulheres que atendem com indicação cirúrgica acabam tendo o
problema resolvido por meio de
técnicas menos invasivas.
Para Manoel Girão, chefe do departamento de ginecologia da
Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), já houve excesso de
histerectomias no passado, mas,
atualmente, há uma diminuição
na freqüência. "Mas há situações
que poderiam ser evitadas."
Negras
A médica Fátima Oliveira, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, lembra que a incidência de histerectomias entre as
negras é cinco vezes maior do que
entre as brancas. Uma das razões
apontadas por estudos científicos
é que as afro-descendentes têm
mais miomas do que as brancas
por fatores genéticos.
Em 2002, a pesquisadora Vera
Cristina de Souza, em sua tese de
doutorado pela PUC-SP, acompanhou a via-sacra das mulheres
negras portadoras de miomas em
busca de um tratamento.
Em geral, o motivo alegado pelos médicos para a indicação de
histerectomia era a gravidade do
quadro clínico, atribuída ao fato
de as mulheres terem abandonado o tratamento médico e à baixa
freqüência às consultas.
Para Fátima Oliveira, as negras
têm mais dificuldades de acesso
aos serviços públicos de saúde e a
tratamentos menos mutiladores.
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