São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2006

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SAÚDE

Custo alto de tratamento alternativo de doença em órgão faz com que paciente de baixa renda se sujeite a riscos de morte e infecção

Mulher pobre retira mais o útero, diz estudo

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quanto menor a renda familiar e o grau de escolaridade da mulher, maior é a chance de ela passar por uma histerectomia (retirada do útero) na rede pública, revela um estudo do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
No SUS, a histerectomia é a segunda cirurgia mais freqüente entre as mulheres em idade reprodutiva, só perdendo para as cesáreas. Em 2005, foram feitas 112,2 mil retiradas de útero, ao custo de R$ 67,5 milhões. Os sistemas privado e suplementar de saúde não têm esses dados.
No estudo da Uerj foram avaliadas 1.945 mulheres, entre 25 e 60 anos, que retiraram o útero por causas benignas (miomas e sangramentos, principalmente). Essas situações respondem por 90% das histerectomias no país. Segundo os médicos, muitas delas poderiam ser tratadas com técnicas capazes de preservar o órgão da mulher, mas que não estão disponíveis no serviço público em razão do alto custo.
Os riscos de morte (seis a cada dez mil, em indicações benignas) e de infecções pós-cirúrgicas já justificariam um maior critério na indicação da cirurgia, avalia a médica Renata Aranha, professora de ginecologia da UERJ e que fez o estudo para a tese de doutorado.
Para ela, grande parte das histerectomias feitas no país são desnecessárias. "As mulheres pobres estão mais expostas, porque não têm escolha, não podem ouvir segundas opiniões."
No estudo de Aranha, a taxa de histerectomias entre as mais pobres (menos de três salários mínimos) foi duas vezes e meia maior em relação ao grupo com renda per capita acima de seis salários mínimos. Entre as menos escolarizadas (primeiro grau incompleto), a prevalência foi quase quatro vezes maior em comparação ao grupo com ensino superior.
O ginecologista Marcos de Lorenzo Messina, do grupo de miomas do Hospital das Clínicas de São Paulo, também acredita que haja um excesso nas indicações de histerectomias no serviço público. "Os gestores querem resolver o problema a curto prazo, tirar a mulher da fila. As mais esclarecidas não aceitam a indicação de retirada do útero, procuram uma segunda opinião e podem arcar com outros tipos de tratamento."
Não é o que acontece com a mulher pobre. Um tratamento alternativo para alguns casos de miomas, chamado de embolização, custa entre R$ 10 mil a R$ 15 mil e não está disponível no SUS.
Para o controle dos sangramentos uterinos intensos, muitas mulheres poderiam poupar seus úteros com o uso de um dispositivo intra-uterino (DIU) com progesterona, que custa entre R$ 500 e R$ 600 e que também não é ofertado pelo governo federal.

Rede Privada
A indicação desnecessária de histerectomias não está restrita aos serviços públicos e também acontece no sistema privado de saúde por desconhecimento ou relutância do médico em adotar novos procedimentos, afirma o ginecologista Claudio Basbaum, do Hospital São Luiz.
"Muitos médicos preferem a forma mais simplista [de extirpar o útero]. Ainda têm a mentalidade de 40 anos atrás quando se pensava que o útero só serve para gerar o bebê e dar câncer", diz ele, idealizador da campanha "Mulheres, salvem seus úteros."
Nela, o médico defende que as mulheres que receberem diagnóstico de retirada de útero busquem outras opiniões médicas antes de aceitarem a histerectomia. Ele afirma que sete em dez mulheres que atendem com indicação cirúrgica acabam tendo o problema resolvido por meio de técnicas menos invasivas.
Para Manoel Girão, chefe do departamento de ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), já houve excesso de histerectomias no passado, mas, atualmente, há uma diminuição na freqüência. "Mas há situações que poderiam ser evitadas."

Negras
A médica Fátima Oliveira, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, lembra que a incidência de histerectomias entre as negras é cinco vezes maior do que entre as brancas. Uma das razões apontadas por estudos científicos é que as afro-descendentes têm mais miomas do que as brancas por fatores genéticos.
Em 2002, a pesquisadora Vera Cristina de Souza, em sua tese de doutorado pela PUC-SP, acompanhou a via-sacra das mulheres negras portadoras de miomas em busca de um tratamento.
Em geral, o motivo alegado pelos médicos para a indicação de histerectomia era a gravidade do quadro clínico, atribuída ao fato de as mulheres terem abandonado o tratamento médico e à baixa freqüência às consultas.
Para Fátima Oliveira, as negras têm mais dificuldades de acesso aos serviços públicos de saúde e a tratamentos menos mutiladores.


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