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LETRAS JURÍDICAS
Direito e política nas eleições francesas
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Tratar das eleições francesas numa coluna dedicada a assuntos jurídicos deve parecer estranho ao leitor. O segundo
turno está por ser disputado entre
um candidato conservador, o
atual presidente, Jacques Chirac,
e o ultra-conservador Jean Marie
Le Pen, que parece ter provocado
reações de repulsa no eleitorado.
A repercussão planetária de espanto é, porém, a mais natural,
em face de sua predominante conotação histórica, pois foi na
França que se consolidou, na Declaração Universal dos Direitos
do Homem, a primeira formulação ordenada das garantias jurídicas atribuídas aos cidadãos, em
moldes que depois foram incorporados à maior parte dos ordenamentos jurídicos. Logo, as eleições
compõem assunto a considerar.
Memórias assustadoras voltam
à discussão. A partir da Primeira
Guerra Mundial, no século 20,
cristalizaram-se, na Europa, os
regimes do nacional-socialismo
alemão, com Adolf Hitler, e do
fascismo italiano, com Benito
Mussolini, contrapostos ao comunismo submetido a Josef Stálin.
Esquerda e direita, na bipartição
clássica das tendências políticas,
sustentaram-se, nos casos citados,
graças ao severo e implacável
controle de toda a sociedade por
organismos policiais e militares,
que abateram duramente todas
as oposições, aí incluídas até mesmo as imaginárias.
O povo francês tem todo o direito de escolher quem lhe aprouver
e, se preferir Le Pen, terá feito sua
opção. Considerando, contudo,
que o direito só resolve uma parte
das questões relevantes da vida,
devemos temer os regimes totalitários, que, uma vez instalados,
logo intervêm na legislação, cerceando a liberdade. No século 20
o Brasil viveu dois períodos dessa
espécie: no Estado Novo, a partir
de 1937, e com os governos militares, a contar de 1964. Em nosso
país, na União Soviética, na Alemanha e na Itália, o direito continuou a parecer o mesmo, mas a
realidade sociopolítica subjacente
foi a do desrespeito das garantias
fundamentais. Essa é a aparente
ameaça de Le Pen.
O Brasil é um Estado Democrático de Direito. Assim mesmo, em
maiúsculas, na definição do artigo 1º da Constituição. Integramos
uma nação organizada (o Estado), cujos dirigentes são substituíveis, de tempos em tempos, pelo
voto popular (democrático), segundo leis votadas pelos Poderes
competentes e assim aplicadas,
sob as garantias do Poder Judiciário contra qualquer violação ou
ameaça de violação (de direito).
Quando a força política dominante quer sacrificar a liberdade
de manifestação do pensamento
dos que lhe sejam contrários, interpreta o direito a seu modo.
Lança forte massa informativa
sobre o povo para o convencer de
que a manutenção dos detentores
da força é boa. Para os romanos,
na definição clássica de dois milênios atrás, dando pão e circo ao
povo, as elites se preservavam.
Hoje, com os meios eletrônicos de
comunicação, o elemento "circo"
se ampliou geometricamente.
Escapa dos limites restritos em
que se mostrou nos séculos
precedentes.
As eleições francesas sugerem o
que pode ser uma tendência universal, assim como foram significativas as escolhas de George W.
Bush na potência hegemônica e a
de Silvio Berlusconi na Itália. O
horizonte do direito, muito próximo do horizonte da política, mostra nuvens cinzentas. Aqueles que prezam a vida com liberdade devem manter-se atentos.
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