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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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AMBIENTE

Depósito que pertence à Solvay está às margens do rio Grande, que abastece 1,2 milhão de pessoas na Grande SP

Cal contaminada será isolada, não despoluída

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Contrariando determinação do Ministério Público, a Solvay Indupa do Brasil não fará testes com tecnologias de descontaminação on site (no local) no seu depósito de cal em Santo André (ABC).
A empresa fará apenas o confinamento geotécnico do local, com a instalação de barreiras hidráulicas e estações de tratamento das águas subterrâneas.
Essas medidas foram exigidas num acordo assinado em dezembro de 1999 pela multinacional, o Ministério Público, o Greenpeace e a Cetesb (agência ambiental do governo paulista) -meses depois de a contaminação do depósito de cal ter sido denunciada pela ONG.
O documento previa que fossem estudadas alternativas de descontaminação e que elas fossem aplicadas sobretudo nos pontos críticos ("hot spots").
Para o promotor José Luís Saikali, da 7ª Curadoria Geral de Santo André, o confinamento é uma solução satisfatória se encarada apenas como temporária.
Em fevereiro deste ano, em reunião com as partes envolvidas na contaminação, ele determinou que a Solvay fizesse testes em escala piloto nos "hot spots", pelos próximos anos, com duas tecnologias sugeridas pelo Greenpeace.
O terreno da empresa, de cerca de 210 mil m2 -quase 30 campos de futebol oficiais-, está contaminado por substâncias tóxicas como metais pesados (principalmente mercúrio), organoclorados (compostos em geral cancerígenos), dioxinas e furanos (2 dos 12 poluentes orgânicos persistentes, que, pelo perigo ao ambiente e à saúde, devem ser banidos pelo Brasil e pelos demais signatários da Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes).
Tudo isso está há décadas na região de mananciais da Grande São Paulo, às margens do rio Grande, mais importante contribuinte da represa Billings e que abastece por volta de 1,2 milhão de moradores do ABC.
Para Saikali, a Solvay, ao fazer o confinamento sem testar a descontaminação, está descumprindo o acordado há três anos.
"Vejo duas saídas. Ou a Solvay me apresenta um plano muito bom de compensação ambiental, que pode incluir investimentos em pesquisa sobre tecnologias de descontaminação e proposta de ajuda às comunidades vizinhas à área da empresa, ou posso entrar com ação civil pública", disse depois de ter visitado, há aproximadamente um mês, o terreno com a cal contaminada.
Para o Greenpeace, o confinamento definitivo é temerário, principalmente por causa da localização do depósito. "A Solvay tem de fazer a coisa certa e descontaminar. Tem também de ser penalizada porque não está agindo de boa-fé", diz Jonh Butcher, coordenador da campanha de substâncias tóxicas da ONG.

Fator tempo
"Há formas de fazer o confinamento bem-feito. É uma alternativa segura, se bem monitorada, mas não deve ser definitiva, porque existe o fator tempo. Daqui a 30, 50, cem anos, é difícil garantir que o responsável pela área manterá o nível de controle. É preciso buscar um tratamento para garantir que aquilo não estará mais lá", diz a professora Maria Eugênia Boscov, do Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações da Escola Politécnica da USP e pesquisadora na área de análise e riscos geo-ambientais.
A opinião é compartilhada pela bioquímica Ruth Stringer, pesquisadora-sênior do laboratório do Greenpeace na Universidade de Exeter (Reino Unido), que acompanha o caso da Solvay desde o fim dos anos 90.
Desde o início do ano, a empresa está fazendo obras de pré-confinamento no depósito (aplainando os montes de cal e cobrindo provisoriamente com plástico) e, com isso, mudando toda a configuração da contaminação do local -que foi mapeada em 99.
De acordo com a Cetesb, a movimentação elimina os "hot spots", o que inviabiliza os testes-piloto e implica que uma eventual descontaminação terá de ser feita em todo o terreno, e não de forma localizada. A extensão da área e a mistura de contaminantes torna tal tarefa extremamente difícil, admite o gerente da agência em Santo André, Luiz Antônio Brun.
Segundo Brun, ao concordarem com o confinamento, mesmo em caráter temporário, o Ministério Público e o Greenpeace deveriam ter em mente, porém, que ele não poderia ser feito sem alterar a configuração da contaminação.
A Cetesb faz eco ao discurso da Solvay de que não existe problema em um confinamento adequado. "A área não pode ficar como está enquanto se estuda uma alternativa de descontaminação. O confinamento é seguro porque será alvo de um monitoramento constante. Vamos ficar em cima", afirma Brun.
É verdade que há diversas áreas contaminadas na Europa e nos EUA que tiveram confinamentos bem-sucedidos. Mas um contra-exemplo do uso exclusivo da remediação é o do aterro da indústria química ICI Chemicals and Polymers, no Reino Unido, que, depois de quase 50 anos confinado, começou a vazar, obrigando a empresa a comprar as casas das famílias que já viviam na região.
O material era bem parecido: cal contaminada por compostos orgânicos e mercúrio. O aterro foi coberto com argila e cinzas, parte em 1952 e parte em 1973, mas, em janeiro de 2000, a ICI informou um vazamento de hexaclorobutadieno (produto tóxico que, em testes com animais, mostrou potencial para afetar rins e fígado) nas casas vizinhas.
A EPA (agência ambiental norte-americana) afirma que confinar é geralmente só uma parte do processo de descontaminação.


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