|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
O economista e a professora
SÉRGIO HADDAD
O economista Eduardo Giannetti, colunista desta Folha, em
artigo recente, contou-nos sobre
um encontro seu com um senhor
de aparência humilde e jeito acanhado, que o abordou apontando
uma placa em um canteiro de
obras, solicitando-lhe que a lesse.
Nesse processo de mediar a leitura de uma pessoa que buscava
trabalho, refletiu sobre as dificuldades cotidianas de quem não sabe ler nem escrever em uma cidade como São Paulo.
Uma pessoa que não sabe ler tem
de fato muito mais dificuldades de
encontrar emprego, de permanecer nele, de se reciclar. Em uma
conjuntura de crescente desemprego, diminuição de postos de
trabalho e mudança no perfil da
qualificação da força de trabalho,
saber ler e escrever faz diferença.
Giannetti, que saíra para passear
depois de ter cumprido suas obrigações de trabalho, passou a sentir
remorso por não ter podido ajudar mais aquele homem. Inicialmente, sentiu-se culpado. Depois,
a força da razão colocou-o em outro rumo: afinal, seus ombros não
poderiam suportar os 20 milhões
de analfabetos do nosso país.
No mesmo dia da publicação do
artigo, estreava nas telas brasileiras a professora aposentada Dora,
escrevente de cartas de "Central
do Brasil". No filme, Dora faz a
mediação entre os que não sabem
ler e escrever e o sonho, a imaginação, a saudade, o desejo.
A professora escreve as cartas,
recebe o dinheiro e não as envia.
No entanto, ao longo do filme,
muda seu comportamento para o
de solidariedade com Josué, um
menino que procura o pai.
Dora termina o filme tomada pela emoção da separação de Josué.
Giannetti termina o seu artigo
perguntando: se o ensino básico
de qualidade é a resposta unânime, qual seria então a questão?
A questão é que a oferta pública
de educação básica de qualidade é
insuficiente se não for dirigida a
todos. A prioridade para o ensino
fundamental das crianças não pode se transformar em exclusividade. Os jovens e adultos com pouca
ou nenhuma escolarização vêm
sendo abandonados pelas políticas públicas, restando-lhes a filantropia, a fraternidade, as empresas, o voluntarismo dos homens e
mulheres de boa vontade.
O envolvimento da sociedade civil e do capital com os temas educacionais é fundamental, porém
insuficiente. Eles ajudam o Estado
a realizar sua tarefa; mas, ao se
propor a fazer educação escolar,
não atingem todos e correm risco
de estar muito mais voltados para
seus interesses privados do que
para o necessário sentido público.
Não há exemplo na história da
humanidade em que o analfabetismo tenha sido superado sem uma
política pública de qualidade. Só
com ela será possível não se emocionar com os olhos e os sentimentos daqueles que buscam mediadores para exercitar sua humanidade e cidadania. Que bom se, a
exemplo de Giannetti, todos os
economistas que definem políticas
públicas pudessem dar uma voltinha depois do dever cumprido.
Sérgio Haddad, 48, é secretário-executivo da
Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação e professor do programa de pós-graduação
em educação da PUC-SP.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|