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CRISE DE ENERGIA
Especialistas em urbanismo, semiótica e psicanálise dizem que racionamento muda olhar sobre a cidade
Penumbra recria e empobrece São Paulo
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O plano de racionamento de
energia confisca do paulistano
um dos seus maiores patrimônios: as luzes da cidade. Não a iluminação do interior das casas,
mas a de placas, monumentos,
torres de TV e edifícios.
Essa é a opinião de especialistas
de três áreas diferentes -semiótica, urbanismo e psicanálise-
para quem a penumbra cria uma
nova (e pobre) São Paulo.
"Essa cidade é luz. É algo tão
profundo", diz Maria Lúcia Santaella Braga, professora doutora
do curso de semiótica da PUC
(Pontifícia Universidade Católica). "Não temos praia nem belezas naturais. Essa São Paulo feita
de edifícios e cimento só pode ser
percebida em sua beleza à noite,
por causa da iluminação, e a beleza faz falta à vida", resume.
Maria Lúcia mora em um edifício em Perdizes (zona oeste), de
onde era possível avistar a avenida Paulista e suas torres de TV iluminadas. "No dia em que foram
apagadas, chamei minha sobrinha para ver. A sensação era de
estranhamento", conta.
Para o urbanista e historiador
da USP (Universidade de São
Paulo) Carlos Lemos, São Paulo
sem luz se torna, para a população, uma cidade como outra qualquer do interior, e não uma das
maiores metrópoles do mundo.
"Para o senso comum, os anúncios publicitários e placas iluminadas representam pujança econômica, refletem uma cidade viva, que vende, compra, constrói.
O apagão faz tudo isso desaparecer subitamente", analisa.
Lemos acredita que o apagão leva a um sentimento de "tristeza e
perplexidade". "Ninguém quer
saber a causa, de quem deveria ter
tomado conta e não tomou, o que
se vê é uma cidade que vai desaparecendo", afirma o urbanista.
A professora doutora da PUC
vai além em sua análise: "Sempre
enxerguei essa divisão entre natural e artificial como um pouco falsa. A luz elétrica pertence à natureza das grandes cidades, é parte
indispensável da paisagem, e a falta dela é algo impensável".
A luz em si, explica, não traz significado. "Isso está no que é iluminado." Mas, ao pensar a cidade
como um organismo vivo, a análise se inverte: São Paulo iluminada é uma, apagada é outra.
Futuro
A psicanalista Ana Verônica
Mautner abria a janela dos fundos
da sua casa, na região do Pacaembu (oeste), e não gostava dos luminosos da avenida. Na última
semana, a rotina mudou. As peças
estavam apagadas. "Estranhei."
"A cidade levou 40 anos, mais
ou menos, para ficar do jeito que
está. É impossível saber como irá
se comportar a população daqui
para frente. Com certeza, mudará,
mas ainda não deu tempo", diz.
Sobre isso, o também psicanalista Luiz Tenório Lima concorda
com Ana. "O que estamos vivendo irá se refletir profundamente."
Mas a penumbra em que mergulhou a cidade durante a semana
não é de todo mal, afirmam. "Desestimula o olhar para fora, mas
leva o olhar para dentro. São tantos estímulos externos, tanta propaganda iluminada", considera
Tenório, para quem escuridão
combina com depressão.
"Convida ao mistério. Não há
nada pior para quebrar o mistério
do que uma enorme luz acesa",
complementa Ana Verônica.
O que provavelmente ficará na
memória coletiva dos paulistanos, segundo os psicanalistas, não
será o apagão, e sim o esforço da
população para economizar energia. "O mito da terra abençoada,
sem cataclismos, grandes catástrofes, de repente, muda um pouco", considera Tenório.
"Na verdade, socialmente, eu
vejo este momento de forma positiva. De repente, todos ficaram
criativos e se esforçam para fazer
alguma coisa. É difícil o cidadão
se sentir tão imediatamente útil",
diz Ana Verônica, que só ficou indignada quando soube que o relógio do banco Itaú, no alto do Conjunto Nacional, na avenida Paulista, foi desligado. "Que maldade,
mas não podem fazer isso."
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