São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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Justiça determina importação, mas paciente morre sem o remédio

FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

Sessenta e oito dias depois de obter na Justiça uma liminar (decisão provisória) que obrigava a Prefeitura de Santos (SP) a importar um medicamento contra a Aids, o paciente Amaury Jayme de Paula Junior, 35, morreu anteontem sem receber o remédio.
De acordo com o infectologista Marcos Caseiro, o uso do Fuseon, uma droga recente e ainda não incorporada ao protocolo de tratamento da Aids no Brasil, era a única alternativa para prolongar a sobrevida de Paula Junior, paciente do Programa Municipal de Aids desde 1992.
Segundo Caseiro, o organismo do paciente apresentava resistência aos medicamentos convencionais, e os exames de genotipagem apontavam para o Fuseon como única droga capaz de agir no caso dele. A primeira ordem judicial para a prefeitura importar o medicamento -que custa cerca de US$ 5.000 (R$ 15 mil) cada caixa com 60 frascos- foi expedida em 18 de março.
No dia 27 de abril, a Secretaria Municipal da Saúde foi novamente notificada, e, no último dia 3, recebeu intimação para fornecer o remédio em 24 horas.
A assessoria da secretaria informou ontem que, após a tramitação administrativa do processo, o prefeito Beto Mansur (PP) autorizou a compra do remédio em caráter emergencial, mas houve atraso na entrega devido às sucessivas greves e operações-padrão na Receita Federal.
Depois de várias internações, Paula Júnior, que completaria 36 anos amanhã, morreu no hospital estadual Guilherme Álvaro, em Santos, vítima de uma série de infecções oportunistas em razão da baixa imunidade provocada pelo vírus HIV.

"Omissão de socorro"
A mulher dele, Luciana Ferreira Pinto de Paula, afirmou que ingressará na Justiça com uma ação solicitando indenização por "omissão de socorro". O casal teve dois filhos -uma menina de 4 e um menino de 11 anos. Nem eles nem a mãe são portadores do vírus HIV. "Não houve tempo para o meu marido esperar. A esperança dele era o remédio. Ele chorava porque queria viver", afirmou.
O secretário do grupo Hipupiara (ONG que presta assistência a 220 portadores do vírus HIV na Baixada Santista), Beto Volpe, disse que, como Paula Júnior, foi vítima de falência terapêutica há três anos, mas, na ocasião, recorreu à Justiça e conseguiu receber o medicamento em três dias. "Ele [Paula Júnior] não foi vítima da Aids. Foi vítima do descaso crônico do poder público", declarou.
Santos, principal cidade do litoral paulista, foi o primeiro município brasileiro a fornecer gratuitamente os medicamentos para o tratamento de paciente de Aids, nos anos 90. Depois de iniciada a distribuição, as mortes em decorrência da doença diminuíram. Segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde, no ano passado o índice de letalidade foi de 1,9%. Até dezembro, os registros indicavam 3.148 mortes motivadas pela Aids na cidade desde 1984.


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