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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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SEGURANÇA

Restrição de comércio não afeta contrabando, mas pode impedir que armamento legalizado reforce arsenal do crime

"Ficha" de arma define efeito de proibição

ALESSANDRO SILVA
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um estampido forte. O repórter-fotográfico Luis Antônio da Costa, 36, cambaleia e cai, baleado. Correndo, o suspeito fotografado pelo jornal "Agora" tem à mão um revólver -principal arma do arsenal criminoso no país.
O caso é mais um a alimentar o debate nacional sobre a proibição do porte e da venda de armas -proposta aprovada pelo Senado, que ainda será votada na Câmara, proíbe o porte a particulares e prevê um referendo sobre a comercialização.
A origem -legal ou clandestina- do armamento utilizado por criminosos é o centro do debate entre os grupos pró-armas e pró-controle. Se o revólver usado para matar o fotógrafo for localizado, será possível rastrear sua origem e ver que lado terá os argumentos fortalecidos.
Existe a possibilidade de que o revólver tenha sido legalmente vendido e registrado, antes de parar em mãos criminosas graças a um roubo ou extravio. Nessa hipótese, a eventual proibição do comércio teria impedido que chegasse às ruas.
Mas a arma também pode ter sido exportada, antes de voltar ao país contrabandeada. Por essa via, chegaria às mãos do criminoso mesmo que a comercialização fosse vetada no mercado interno.
O Iser (Instituto de Estudos da Religião) analisou 19.626 armas usadas em crimes e apreendidas pela polícia do Rio entre 1996 e 1999. Nada menos do que um quinto tinha origem legal. Dessa parcela, cerca de 75% já não estavam com o comprador original no momento do crime. "Depois que a arma sai da loja, perde-se o controle", diz o sociólogo Ignácio Cano, 40, coordenador do estudo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, até janeiro de 2000, quase um quinto das armas registradas desde 1995 haviam sido furtadas (58.533), roubadas (35.563) ou extraviadas (6.020). Ou seja, em cinco anos, 100.116 armas caíram na clandestinidade.
O dado paulista inclui empresas de segurança que, eventualmente, tiveram armas roubadas.
Não há estatísticas precisas sobre o número de armas contrabandeadas no país. Há dois anos, a Folha rastreou a trajeto percorrido por três pistolas de fabricação nacional apreendidas em dois crimes de repercussão em São Paulo -um sequestro e um arrastão no shopping Eldorado. As armas haviam sido fabricadas no Brasil, exportadas para o Paraguai e o Uruguai e reintroduzidas clandestinamente no país. Uma delas voltou após um ano e sete meses.
Legais ou ilegais, o certo é que, das armas usadas por criminosos no país, a imensa maioria é brasileira. Segundo o Iser, quase 90% são de fabricação nacional.
O estudo do instituto também revelou que armas leves, como revólveres e pistolas, compõem quase 80% do universo das apreendidas. Fuzis e metralhadoras são apenas 6,2%.

Prevenção
Outro ponto de discórdia entre grupos pró-armas e pró-controle é o uso de armas como fator de prevenção da violência. "Não é certo se a posse cumpre com a finalidade de se proteger ou prevenir crimes ou se, ao contrário, torna a violência mais provável", escreveu o criminólogo Túlio Kahn, 38, no livro "Armas de Fogo II", do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente).
Segundo ele, há uma expectativa entre pesquisadores de que os efeitos de controle de armas sejam maiores entre os crimes de natureza passional. "O impacto depende da natureza do crime."
"Proibir o porte é 5% do problema, porque isso não impede que pessoas continuem comprando armas para mantê-las em casa", diz o economista Luciano Bueno, 41, autor de uma dissertação de mestrado sobre políticas públicas de controle de armas, apresentada na Fundação Getúlio Vargas.


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