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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

O contribuinte está deixando de ser analfabeto

Um dos fatos mais notáveis da gestão Lula até o momento foi, por conta da reforma da Previdência, ter produzido um curso intensivo de "alfabetização do contribuinte" -um aprendizado aprofundado na semana passada, quando os juízes e promotores anunciaram a polêmica decisão de fazer greve.
"Analfabeto contribuinte" é aquele que, mesmo trabalhando quase quatro meses apenas para pagar as contas do governo, não conhece o abecedário dos gastos públicos. Não sabe, por exemplo, que, anualmente, tapa um buraco de R$ 60 bilhões das aposentadorias oficiais, o que equivale a quase 50 vezes a verba do programa Fome Zero.
Até pouquíssimo tempo -mais precisamente até a chegada do PT ao Palácio do Planalto-, as informações sobre os salários e aposentadorias dos servidores eram restritas a técnicos, a políticos, a empresários e a uma classe média mais educada. O assunto estava praticamente trancado nos gabinetes, longe das ruas.
Até agora, a redução do "analfabetismo do contribuinte" é a melhor notícia em torno do tema da reforma da Previdência.
 
Virou conversa de botequim o salário de um juiz, de um procurador, de um servidor do Legislativo ou do Judiciário. Comenta-se em todos os lugares, nas mais diferentes classes sociais, a diferença entre os aposentados do INSS e os do funcionalismo público.
Apostando no "analfabetismo do contribuinte", alguns políticos e sindicalistas tentam mostrar que a reforma da Previdência é um atentado contra os direitos do trabalhador. A opinião pública sente-se, certa ou erradamente, tão solidária ao juiz que ganha R$ 15 mil e se aposenta com salário integral quanto à socialite que esbanja riqueza em poses para a revista "Caras".
Por isso não foi das melhores a reação da opinião pública à greve: seja porque não se percebe a complexidade do cargo de um magistrado ou de um procurador, seja porque a imagem da Justiça é ruim por ser lenta e supostamente mais favorável aos ricos, seja porque a imensa maioria dos brasileiros não ganha nem 2% do salário de um juiz federal.
 
A novidade, na gestão Lula, foi o desmonte da visão simplista em que, de um lado, estão os exploradores e, de outro, os trabalhadores. O cidadão comum começou a questionar se é justo ou não ele patrocinar determinadas despesas, descobrindo o caminho do dinheiro que lhe é extraído do bolso -vilão passa a ser tudo aquilo que o deixa mais pobre.
Será completo o aprendizado -e, embora tímido, já está em andamento- quando se perceber como o gigantismo das máquinas governamentais afeta o trabalhador. É uma relação complexa, mas a questão central nessa pedagogia é simples: pelo menos uma parte do desemprego se deve à desconfiança de que, mais cedo ou mais tarde, o governo não vá ter como saldar suas despesas. Investimentos são contidos ou postergados, juros demoram mais a cair devido ao medo de que o país quebre.
 
Em mais uma semana em que, como afirma a secretária de Redação da Folha, Paula Cesarino Costa, a realidade venceu a esperança, um levantamento mostrou que 54% dos paulistas não pretendem fazer novas compras nos próximos dois meses. Se alguém não compra, alguém, obviamente, não vende -e, se alguém não vende, alguém vai ser demitido, possivelmente aquele que deixou de comprar.
Divulgou-se, na quarta-feira, que, nas seis regiões metropolitanas, se produziram mais 443 mil desempregados durante o mandato de Lula. Desses desempregados, 270 mil possuem o diploma do segundo grau. Em 18 anos, não se tinha registro de tantos desempregados na região metropolitana de São Paulo.
A queda anunciada dos juros, na quarta, ainda não assegura a volta do crescimento. Para piorar, a tensão social, agravada pela ameaça de greve de juízes e pela baderna no Congresso, fez um cadáver -um jornalista morto num acampamento de sem-teto em São Bernardo do Campo. No desafio à lei, juntaram-se aos sem-terra os sem-teto, que, na semana passada, ocuparam prédios em São Paulo -reflexo de poucos investimentos sociais.
 
A realidade está vencendo tão impiedosamente a esperança porque o crescimento depende, entre outras coisas, de investimento -e investimento depende de confiança no futuro. Isso significa, em poucas palavras, que um país não consegue crescer, de fato, quando paira o risco de colapso de suas contas devido à perspectiva de escassez para seguir bancando desperdícios dos governos.
A diminuição do "analfabetismo do contribuinte" talvez não impeça, mas, no mínimo, dificulta eventuais tentativas de tapar os buracos com mais impostos.
 
PS - Importantes assessores do presidente disseram que houve um exagero na crítica ao fato de Lula colocar o boné do MST. Quando a maior autoridade do país veste o boné de um movimento que promove invasões, acabam-se, involuntariamente, estimulando transgressões como as dos sem-teto.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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