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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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COMPORTAMENTO

Procura por cursos de defesa pessoal cresce, mas polícia recomenda não reagir a assaltos, pois o risco é elevado

Mulheres saem da defensiva contra homens "abusados"

ALESSANDRA KORMANN
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA

Unhas e salto alto são "armas" do passado. A mulher usa técnicas de artes marciais e boxe ou simplesmente solta a raiva para se livrar de homens inconvenientes, detonar um namorado traíra e até botar um assaltante para correr.
Na semana retrasada, a massoterapeuta Ana Cláudia Rufino, 32, ganhou fama ao surrar um assaltante, que acabou preso. "Estava indo para casa fazer uma sopinha gostosa e aí vem um indivíduo desses e estraga o meu dia. Pensei até em mordê-lo", afirma Ana Cláudia, faixa verde no judô (quinta faixa, a preta é a oitava).
Era com mordidas que Ana, criança, resolvia suas brigas na escola. Aos 11, fez judô escondida. Adulta, treinou por quatro anos, pois "mulher tem que aprender a se defender sozinha".
A idéia leva cada vez mais mulheres a cursos de defesa pessoal. Em academias como Runner, Bio Ritmo e Fórmula, a procura subiu 20% em dois anos. A judô e caratê somam-se boxe, capoeira, jiu-jítsu, kung fu, muay thai (boxe tailandês) e mais dez modalidades.
Mudaram os tempos ou as mulheres? Ambos. "As mulheres estão mais fortes, decididas. Os homens devem começar a se preocupar com isso", acha a corretora de Uberlândia (MG) Cristina Martins Maria, 20, capoeirista desde os nove anos. Cristina, que chegou a São Paulo no fim de 2002 para fazer exames de piloto da Força Aérea Brasileira, reagiu a dois assaltos. Em um deles, ganhou um ferimento na cabeça. Os dois ladrões foram presos.
A maior parte das interessadas em lutas não quer enfrentar o ladrão armado -ainda bem. A cada dez pessoas que reagem a assaltos, diz a Polícia Militar, nove morrem ou ficam com sequelas gravíssimas. "Elas querem se defender do assédio de caras folgados e estupradores", diz o personal trainer Marcelo Calegari, 36, da academia Fórmula.
"Não vou reagir a um assalto e até tolero papo-furado, mas não venha me tocando sem me conhecer", avisa a advogada Simone Jardim, 30, 1,65 m e 56 kg.
Há um ano, treina boxe e jiu-jítsu contra "folgados e atrevidos". Em 2002, em Florianópolis, deu uma surra num inconveniente. "No começo, tive paciência com o "papagaiol". Até ele me segurar com força", conta. "Dei uma cotovelada no rosto que o deixou bambo. Engatei mais de dez socos que fizeram o nariz dele sangrar. Parei porque me seguraram."
Quem trabalha à noite vive mais batalhas físicas. A empresária Flávia Ceccato, 31, dona do Lov.e, já pôs para fora da casa noturna, a tapa, mais de dez clientes atrevidos. "Aviso a segurança para não se meter, só em último caso."
Nara Túlia, 37, dona de uma importadora de gravatas, viveu uma relação agitada. Em oito anos, namorou, foi traída, terminou e se mudou para Londres, onde se casou com um belga. Um ano depois, ele foi atrás dela, e voltaram ao Brasil -foi novamente traída.
"Destruí a casa dele, rasguei documentos e passagens aéreas, risquei todo o carro, cortei os pneus. Só não botei fogo porque era sobrado geminado", lembra.

Amor demais
O ciúme é o gatilho em 57% das agressões entre casais, segundo pesquisa com universitários de 40 países, coordenada no Brasil pela professora Tânia Aldrighi, da Faculdade de Psicologia do Mackenzie. No Brasil, o estudo indicou que 20% dos homens agrediam física e psicologicamente as namoradas, contra 10% das mulheres -número baixo, afirma Tânia. "É difícil o homem reconhecer que é agredido. Significa não saber conduzir sua masculinidade."
Em outro estudo, do Programa de Investigação Epidemiológica da Violência Familiar da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), com mulheres que deram à luz no Rio em hospitais públicos, 30,6% afirmaram ter agredido o parceiro na gestação e 18,2% disseram ter sido agredidas.
Para o sociólogo Murray Straus, diretor do Laboratório de Pesquisa da Família da Universidade de New Hampshire (EUA), desde 75 estudioso do tema, a violência masculina cai com campanhas feministas, mas o inverso não ocorre. Segundo seus estudos, 12% das norte-americanas atacam o companheiro no primeiro ano do casamento e 30% nos anos seguintes. "Precisamos de igual esforço para que o homem denuncie e processe a violência da mulher."
A tese de que mulher é sexo frágil não deve mais ser levada a sério a julgar pela história da "master piercer" (que coloca piercing) Cláudia Zuba, 33, que há cinco meses parou a rua Teodoro Sampaio, em São Paulo. Por causa de um carro importado que passou no vermelho. "Levei um susto. Buzinei, xinguei: "Você está cego. Está fechado para você, louco!'"
Acabou sendo seguida, fechada e agredida com um tapa na cara. "Me deu uma tremedeira, uma raiva. Saí voando do carro, segurei o fulano pelo colarinho e o soquei até cair", lembra Cláudia, que lutou caratê dos 15 aos 19.
O avanço das "mulheres duronas" pode ser notado com a segurança feminina. Só na Pires Serviços de Segurança, uma das maiores do país, a procura pelas agentes cresceu 30% em dois anos.
Mas não se pode glorificar a violência feminina. "A glorificação é efeito colateral desastroso da tendência de maior igualdade entre homens e mulheres", diz Straus.
Wânia Pasinatom, da USP, faz coro. "A mulher é muito inteligente para precisar da força."


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