São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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MEDICINA
Remédios têm efeitos colaterais, como hemorragia digestiva; automedicação é apontada como principal causa
Antiinflamatórios são campeões de queixa

ALCINO BARBOSA JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os remédios mais vendidos no país -antiinflamatórios do tipo não-hormonal- também são os campeões das queixas digestivas em pronto-socorro. É o que mostra pesquisa realizada com 316 pacientes em dez centros de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o coordenador do estudo, o gastroenterologista Décio Chinzon, "41,3% das pessoas que procuraram pronto-atendimento com azia, dor de estômago, náuseas, vômitos ou sangramento intestinal haviam tomado antiinflamatórios não-hormonais".
O consumo espontâneo desses remédios -ou seja, a automedicação- é apontada como principal fator desse problema. "Para cada comprimido de antiinflamatório prescrito, outros sete ou oito são tomados", estima Chinzon.
Os antiinflamatórios são usados em inflamações recentes, como as fraturas de ossos e dores musculares, ou inflamações crônicas, como a artrite reumatóide e a osteoartrose. Outros efeitos colaterais se manifestam nos rins e sangue (veja quadro ao lado).
Segundo a Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica), os antiinflamatórios foram os primeiros no ranking de unidades vendidas com prescrição (98 milhões) e ocuparam o quinto posto em faturamento (US$ 450 milhões) em 99.
O impacto do uso dos antiinflamatórios também já se faz sentir na infância. "Existe um aumento da frequência de hemorragia digestiva em crianças nos prontos-socorros em geral", afirma Sandra Grisi, professora livre-docente de pediatria da Faculdade de Medicina da USP.
Entre 1992 e 1997, o Scut (Serviço de Consultas em Urgência e Triagem), do Instituto da Criança de São Paulo, constatou que os antiinflamatórios foram os principais causadores de sangramento no estômago, superando as doenças hepáticas -patologias muito frequentes nesse hospital.
O abuso desses remédios nas doenças causadas por vírus (gripes, resfriados, amidalites) pode estar por trás do aumento.
"O pediatra que está na prática clínica o dia todo nem sempre tem acesso às pesquisas acadêmicas que mostram a inatividade dessas medicações na infecção viral. Porém ele recebe os propagandistas de laboratórios, que divulgam esse uso", diz Sandra.
"Não existe comprovação científica de que os antiinflamatórios mudem o curso das infecções respiratórias virais. (...) Acabam funcionando como medicações sintomáticas, só que, em geral, mais caras do que os demais analgésicos e antitérmicos", afirma Maria Helena Kiss, pediatra reumatologista do Instituto da Criança.
Muitos adultos também utilizam os antiinflamatórios nas infecções virais. "Sou totalmente contra essa prática. São raros os casos em que os sintomas não podem ser tratados por analgésicos comuns", diz Francisco Aguiar, médico do Serviço de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo.
Para Ricardo Fuller, reumatologista do HC, "em amidalites exuberantes, que chegam a sufocar, seu uso (o de antiinflamatórios) pode ser justificado".
Os idosos são mais suscetíveis aos efeitos colaterais dos antiinflamatórios. Na pesquisa de Chinzon, respondiam por 70% dos pacientes com problemas gástricos.
A falta de sintomas não significa que esses remédios não agrediram o organismo. "Cinquenta porcento dos pacientes que usam antiinflamatórios não tem queixas, mas apresentam lesão gástrica à endoscopia", diz Chinzon.



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