São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Efeitos possíveis da reforma anunciada

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A pergunta mais ouvida no curso da semana diz respeito à opinião sobre a anunciada reforma do Judiciário, divulgada com estrépito assim que alguns de seus aspectos foram aprovados no Senado, mas logo esquecida, desaparecida do noticiário. Há uma razão para a pergunta: a reforma do Judiciário só interessará verdadeiramente à sociedade quando dela decorrer a certeza de que os processos andarão rapidamente nas muitas Justiças de nosso país de, convenhamos, Justiça lenta.
Se o leitor me perguntar se teremos Justiça rápida com essa reforma, a resposta é não. Ela não tem intimidade com o apressamento dos processos, nem na Justiça comum nem nos Juizados Especiais, que, em São Paulo, já começaram a dar os primeiros sinais de congestionamento.
Por que não? Simples: a reforma da qual se falou por algumas horas concentra-se nos tribunais. Tem coisas boas, caso típico da súmula de efeito vinculante, que impõe respeito à decisão uniforme do Supremo Tribunal Federal, por maioria privilegiada de seus membros, em matéria repetitiva. Isso acontece especialmente em questões que o poder público quer protelar.
A futura fusão de Tribunais de Alçada em um único Tribunal de Justiça, talvez criando tribunais regionais com a mesma competência, simplificará a estrutura. Poderá gerar soluções diferentes por Estado. Na Justiça do Trabalho, em São Paulo, isso não é novidade: há dois tribunais regionais do trabalho e se pode admitir até lugar para mais um.
O dedo na ferida, aquele que aprimore a primeira instância, ainda falta. O combate inicial da Justiça é sempre dado pelos juízes das varas, nas comarcas, onde o povo vive os fatos dela. Nas instâncias superiores, a visão passa a ser distante, assinalada pela incerteza do quanto demora para chegar ao fim. Tem-se pensado em que, se a condenação (na vara de origem e no tribunal estadual) for uniforme, a imposição do depósito do débito reconhecido, para permitir o recursos, apressará soluções ou acordos.
Outro ponto que não precisa de reforma alguma é o da organização administrativa. O último número do "Jornal do Advogado", editado pela OAB paulista, tem matéria cujo título retrata seu enfoque: "Justiça emperrada". O texto assinala o contraste no fato de o mais rico Estado brasileiro ter a operação mais lenta do Judiciário nacional, mesmo em se considerando o volume de processos em curso no Estado. Esse número não pode ser desprezado: quase a metade de todos os recursos que chegam aos tribunais superiores tem origem em São Paulo. Isso impõe o controle efetivo de produção da magistratura, com boa organização administrativa, para mostrar o contraste entre pautas cumpridas rapidamente e as que vão muito além dos prazos toleráveis.
Apesar de alguns aspectos positivos, a reforma ainda dependerá de mudanças mais de natureza administrativa que processual, nos setores burocráticos. Dependerá das mudanças de mentalidade para que em cada magistrado se encontre, mais que um servidor público, um servidor do povo, do contribuinte, de quem paga impostos e carece da prestação jurisdicional. Salvo algum evento especial, possivelmente passará muito tempo até que a esperança da Justiça rápida e barata se concretize.

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