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DIREITO DE AMAR
Desinteresse de homens e constrangimento esvaziam uso do benefício, concedido às mulheres só em 2001
Visita íntima é rara em presídio feminino
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA DA FOLHA
Ontem, como todo último sábado do mês, foi dia de "íntima" na
PFC (Penitenciária Feminina da
Capital). Traduzindo o jargão: dia
em que as detentas recebem os
parceiros para duas horas de intimidade atrás das grades. Em
qualquer prisão masculina, o cenário seria de filas e filas de mulheres esperando a vez de aplicar
o cafuné no namorado, marido
ou amante fixo. No presídio feminino, isso não acontece.
Os pré-requisitos para a visita
íntima são os mesmos para eles &
elas: provar um vínculo anterior à
detenção ou ter um relacionamento estável de, no mínimo, seis
meses; fazer (o casal) exames laboratoriais de salubridade e inscrever-se na lista dos habilitados.
No Centro de Detenção Provisória 1, no Belenzinho, zona leste,
26% dos homens estão inscritos, o
que dá 400 encontros por fim de
semana; na PFC, esse índice cai
para 4,8% das 680 presas, ou 32
mulheres. Mas no sábado em que
a reportagem acompanhou a visita o quórum de presentes se resumiu a três homens.
Instituído em 1987, o direito à
visita íntima nas cadeias masculinas passou a vigorar logo em seguida; na penitenciária feminina,
isso só ocorreu em 2001, após
anos de insistência de grupos de
defesa femininos, entre outros, da
comissão da mulher advogada, na
OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) e da mulher encarcerada.
No começo, uma das justificativas para a demora era o temor de
que as visitas alimentassem a epidemia de Aids -argumento difícil de entender, já que há mais
chance de o homem contagiar a
mulher do que o oposto.
Na busca das razões reais, o número bem inferior de presidiárias
é o primeiro fator a chamar a
atenção. As mulheres somam cerca de 5% do sistema penitenciário, uma minoria com capacidade
de pressão bem menor que a deles. Suas rebeliões são mais raras e
muito menos sangrentas.
"Nas duas últimas rebeliões femininas, havia apenas quatro pessoas na porta da penitenciária no
dia seguinte. Na masculina, todos
sabem o que acontece: as mulheres ficam em massa na frente dos
presídios, levam os filhos, se rebelam também", relata Heidi Cernaka, coordenadora nacional da
Pastoral Carcerária Feminina.
O primeiro motivo pelo qual a
íntima no presídio feminino não
"pegou" confirma um (pre)conceito de gênero: "Maridos não são
solidários, como mulheres. Eles as
abandonam muito mais facilmente. A maior parte que vem visitar as presas são mães, irmãs, filhos", declara a diretora Maria da
Penha Risola Dias, 62, casada,
mãe de dois filhos e 33 anos de
trabalho na penitenciária.
Questão de gênero
Heidi, da Pastoral, tem uma explicação para a diferença. "É natural da mulher cuidar, fazer tudo
para manter a família. Como ficam com os filhos quando os maridos são presos, manter o vínculo
com o pai deles é muito importante. Um dos principais propósitos da visita íntima é justamente
esse, manter a família."
Os homens, em geral, não ficam
com as crianças e não fazem tanto
esforço para conservar o relacionamento com a mãe delas. "Eles
não gostam de se expor, de se submeter à revista necessária, aos
exames. Muitos arrumam outras
mulheres enquanto a oficial está
presa. Não é só o sexo, é cozinhar,
lavar, cuidar da casa."
A segunda razão do relativo fracasso da íntima feminina é, em
parte, decorrência da primeira
-de acordo com a diretora Penha. "A falta de solidariedade dos
maridos acarreta uma carência
afetiva muito grande e, num ambiente exclusivamente feminino,
elas acabam se envolvendo umas
com as outras." Ela estima que na
PFC bem mais da metade das detentas "é" ou "está" homossexual.
Para evitar confusão, inclusive,
a administração da cadeia admite
remanejamentos na disposição
original das detentas nas celas.
Normalmente, as "casadas" dormem em uma mesma cela, um espaço de 6,5 m2.
Adriana Nicoleti de Amorim,
31, condenada a 26 anos por "vários assaltos", e Rosângela Santos,
36, 20 anos de pena por latrocínio
(roubo seguido de morte), formam um casal típico naqueles domínios: as duas se conheceram ali
há 12 anos e se apaixonaram.
Adriana chegou a ser transferida
para o Butantã, em regime semi-aberto, mas voltou para ficar com
"Biro", apelido de Rosângela: as
duas comemoraram recentemente o aniversário de casamento.
"Eu prefiro mil vezes ficar aqui
na cela com o Biro do que receber
alguém uma vez por mês, por
duas horas, em uma cama fria de
cimento. Minha íntima é permanente", diz Adriana.
Mas a aceitação dos pares homossexuais só vale para quem está dentro. "Se a detenta tem uma
companheira fora, até pode receber a visita dela, mas não na íntima. Não podemos permitir tudo,
senão vira bordel", diz a diretora.
Há ainda uma terceira razão para que parte das detentas rejeite a
visita íntima: o constrangimento
de atravessar pavilhões na vista de
outras presas, para ir ao encontro
do parceiro. "Fica um guarda na
porta, todo mundo sabe que você
está indo transar e ainda tem o
raio de uma campainha que eles
tocam para avisar que o tempo
acabou. É o fim da picada", queixa-se Maria Cristina Passos, 38, 25
anos de casada, seis filhos.
Seu marido,que é gerente de supermercado, nunca a abandonou:
"Ele não é nem louco", brinca.
"Claro que deve ter outra, porque
ele é homem, mas continua morando lá em casa."
Apesar de resistir à íntima, a
presidiária diz que seu último filho foi concebido na cadeia. Não
na PFC, mas na Dacar (presídio
para presas ainda não condenadas), onde as detentas recebem os
parceiros nas próprias celas. Ali,
20 presas se revezam em oito camas. E a tal privacidade?
"A gente faz uma cortininha
com o lençol no beliche e liga o
som e a TV no volume máximo.
Ninguém ouve nada, e todo mundo fica muito mais tempo", conta
Cristina, antes de confessar que
engravidou "de propósito": "Se
não fosse o bebê não ia conseguir
"tirar cadeia'", acredita ela, cujo filho tem agora um ano e meio. A
presa grávida é transferida para
uma penitenciária em que pode
dar à luz e recebe tratamento especial durante quatro meses.
Terror da sineta
Uma das poucas a aproveitar
plenamente a íntima é Rosângela
Legramandi, que cumpre pena
por formação de quadrilha e porte de arma. Ela diz que o constrangimento de passar pelas colegas
detentas antes e depois de transar
até existe, mas não é intransponível. "É meio complicado, o guarda
bate a sineta, e você sai do quarto
com um cobertor na mão, o cabelo meio desgrenhado, a cara
amassada", conta, rindo.
Pior do que passar amassada
pelo guarda, diz, é ser multada
por beijar o "gato" na frente do
policial. "Dá dez dias de castigo."
Casada quatro vezes, três filhos de
dois pais diferentes (18, 14 e 8
anos), Rosângela não recebe nenhum dos ex-maridos, e sim um
namorado com o qual teve um relacionamento de um ano e três
meses "na rua", antes de ser presa.
"Ele tem 25 anos, é motoboy,
trabalhador, todo certinho, me
mandou uma carta depois de três
anos na prisão." Segundo ela, o
"certinho" a procurou porque
acredita que ela está arrependida.
Cabelos longos, ondulados, tingidos de um tom avermelhado,
1,66 m de altura, 90 kg, risada exuberante, Rosângela faz o tipo bonachona. "Meu motoboy é um
gato: tem 1,98 m, cavanhaque, luzes no cabelos, usa óculos. É o primeiro a chegar aqui; às 5h30 ele já
está esperando para entrar. E não
vem só em dia de íntima, não,
vem todo fim de semana", conta,
orgulhosa, ela que prefere preservar a família a recebê-los ali, já
que "ninguém é do crime".
Qual o segredo do sucesso de
uma das raras contempladas coma presença fiel do parceiro?
"Transando uma vez só por mês,
quem não é fiel?", ela pergunta,
soltando mais uma gargalhada.
Para visitá-la, ele teve de provar
que mantém uma relação estável
com a presidiária, reconhecer firma no cartório, e os dois passaram por exames médicos. "Se eu
resolver mudar o parceiro, tenho
que tirar o nome desse da lista e
esperar seis meses", afirma.
É importante abrir um parêntese para dizer que os parceiros citados foram insistentemente procurados, mas não quiseram falar. "O
problema é que alguns estão foragidos da polícia", acredita uma
das encarregadas do presídio.
Colaborou Mayra Stachuk
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