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São Paulo, terça-feira, 28 de janeiro de 2003

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TRÂNSITO

Julgamento em segunda instância acumula mais de dois anos de atraso; indeferimentos disparam com "mutirão"

SP descumpre lei e encalha recurso de multa

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O direito do motorista de recorrer em segunda instância de multas aplicadas indevidamente no Estado de São Paulo está ameaçado pelo desrespeito do poder público ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que completou cinco anos de vigência no último dia 22.
O Cetran (Conselho Estadual de Trânsito), órgão responsável pela análise dos recursos, ainda trabalha em situação precária e julga hoje processos que deram entrada em 2000. Há mais de 30 mil na fila, e, mesmo se mais nenhum fosse interposto, levaria mais de dois anos para que todos fossem julgados. A legislação exige um prazo de 30 dias para as respostas.
A quantidade de recursos encalhados representaria R$ 1,6 milhão, se todas as infrações fossem leves, como buzinar em lugar proibido. Se todas fossem por velocidade em rodovia mais de 20% acima do limite, elas passariam de R$ 5,7 milhões -mais de metade dos gastos de 2001 do governo federal com campanhas educativas para a prevenção de acidentes.
A própria composição do Cetran paulista acompanha diretrizes dos anos 70. Há só seis conselheiros, indicados em desacordo com as atuais leis de trânsito e que recebem um salário mensal de R$ 279 para participar dos julgamentos uma vez por semana.
A minuta do decreto para adaptar as condições do Cetran às normas atuais foi enviada ao governo estadual há três anos, mas nada foi feito. Enquanto isso, quem tiver de recorrer de uma multa julgada indevidamente na primeira instância vai ter resposta, na melhor das hipóteses, em 2005.
E as estatísticas provam que não são raros os casos de erro de julgamento na primeira instância, a cargo das Jaris (Juntas Administrativas de Recursos de Infração). Ou, no mínimo, divergências de interpretação. Em 2002, a média de deferimento dos recursos pelas Jaris da capital paulista foi de 38,4%. Na segunda instância, essa média atingiu 41,5%.
Oduvaldo Mônaco, presidente do Cetran de São Paulo, conta casos esdrúxulos. O de um motorista de um caminhão, por exemplo, que foi multado por falta de capacete -e não se tratava de veículo sem a carcaça. O recurso, na primeira instância, foi indeferido.

Credibilidade
A precariedade do Cetran pode colocar em xeque até a credibilidade dos julgamentos. Por exemplo, os de dezembro último, quando foram analisados 1.639 recursos -quantidade que é recorde dos últimos 32 meses.
De janeiro a novembro de 2002, a média de recursos indeferidos na segunda instância foi de 55,6% -com índice máximo de 62,7% em janeiro e mínimo de 43,8% em junho. No último mês do ano passado, entretanto, os indeferimentos dispararam para 80,3%.
Essa elevação drástica coincidiu com um "mutirão" organizado pelo Cetran para diminuir a fila de recursos e evitar que as multas fossem anuladas. O Ministério da Justiça havia publicado uma medida provisória estabelecendo que as multas seriam anuladas se os recursos não fossem julgados em 60 dias na primeira instância e em 90 dias na segunda instância. O motorista também teria direito de recorrer ao Cetran, em caso de indeferimento pelas Jaris, sem ter antes que pagar a multa.
A medida provisória foi derrubada em 18 de dezembro pela Câmara dos Deputados, mas mobilizou prefeituras e Estados. Oduvaldo Mônaco, do Cetran, pediu por carta a ajuda dos municípios.
O diretor do DSV (Departamento do Sistema Viário) de São Paulo, Daniel Candido, forneceu quatro funcionários no começo de dezembro. "Cada conselheiro assessorou duas ou três pessoas. Criamos, de uma maneira informal, câmaras para poder julgar. Não faz parte do regimento interno, mas foi uma solução legal para poder enfrentar a medida provisória", afirma Mônaco.
Segundo ele, a assinatura do julgamento de recursos ficava sob responsabilidade exclusiva dos seis conselheiros, enquanto os demais apenas prestavam auxílio. Essa alternativa encontrada pelo Cetran para acelerar os trabalhos é polêmica no setor jurídico.
Geraldo Lemos Pinheiro, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-presidente do Cetran, considera uma "barbaridade" essa atuação dos funcionários emprestados pelo DSV -órgão da prefeitura que é responsável pela aplicação das multas municipais. "É uma participação esdrúxula que pode influenciar a decisão. É mandar a raposa para tomar conta do galinheiro", diz Pinheiro, ressaltando que já há um representante oficial do DSV entre os seis conselheiros.
Os especialistas Kazuo Sakamoto, ex-diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), e José Almeida Sobrinho, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), dizem não ver impedimento legal para a presença dos auxiliares, desde que a decisão final coubesse aos conselheiros do Cetran. Eles ressalvam, porém, que a forma como eles atuaram em São Paulo pode deixar os resultados em xeque -já que os funcionários do DSV auxiliavam exclusivamente nos recursos de multas do DSV.
"Pode fica marcada a flagrante participação do órgão autuador", diz Sobrinho. "O certo seria fazer um cruzamento: quem é de um órgão só pode ajudar no julgamento da multa do outro", afirma Sakamoto. Robson Teixeira, assessor jurídico do Denatran, avaliza a decisão do Cetran. "Prestar auxílio ao julgamento é legal. Os auxiliares servem para isso."


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