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TRÂNSITO
Julgamento em segunda instância acumula mais de dois anos de atraso; indeferimentos disparam com "mutirão"
SP descumpre lei e encalha recurso de multa
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
O direito do motorista de recorrer em segunda instância de multas aplicadas indevidamente no
Estado de São Paulo está ameaçado pelo desrespeito do poder público ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que completou cinco
anos de vigência no último dia 22.
O Cetran (Conselho Estadual de
Trânsito), órgão responsável pela
análise dos recursos, ainda trabalha em situação precária e julga
hoje processos que deram entrada em 2000. Há mais de 30 mil na
fila, e, mesmo se mais nenhum
fosse interposto, levaria mais de
dois anos para que todos fossem
julgados. A legislação exige um
prazo de 30 dias para as respostas.
A quantidade de recursos encalhados representaria R$ 1,6 milhão, se todas as infrações fossem
leves, como buzinar em lugar
proibido. Se todas fossem por velocidade em rodovia mais de 20%
acima do limite, elas passariam de
R$ 5,7 milhões -mais de metade
dos gastos de 2001 do governo federal com campanhas educativas
para a prevenção de acidentes.
A própria composição do Cetran paulista acompanha diretrizes dos anos 70. Há só seis conselheiros, indicados em desacordo
com as atuais leis de trânsito e que
recebem um salário mensal de R$
279 para participar dos julgamentos uma vez por semana.
A minuta do decreto para adaptar as condições do Cetran às normas atuais foi enviada ao governo
estadual há três anos, mas nada
foi feito. Enquanto isso, quem tiver de recorrer de uma multa julgada indevidamente na primeira
instância vai ter resposta, na melhor das hipóteses, em 2005.
E as estatísticas provam que não
são raros os casos de erro de julgamento na primeira instância, a
cargo das Jaris (Juntas Administrativas de Recursos de Infração).
Ou, no mínimo, divergências de
interpretação. Em 2002, a média
de deferimento dos recursos pelas
Jaris da capital paulista foi de
38,4%. Na segunda instância, essa
média atingiu 41,5%.
Oduvaldo Mônaco, presidente
do Cetran de São Paulo, conta casos esdrúxulos. O de um motorista de um caminhão, por exemplo,
que foi multado por falta de capacete -e não se tratava de veículo
sem a carcaça. O recurso, na primeira instância, foi indeferido.
Credibilidade
A precariedade do Cetran pode
colocar em xeque até a credibilidade dos julgamentos. Por exemplo, os de dezembro último,
quando foram analisados 1.639
recursos -quantidade que é recorde dos últimos 32 meses.
De janeiro a novembro de 2002,
a média de recursos indeferidos
na segunda instância foi de 55,6%
-com índice máximo de 62,7%
em janeiro e mínimo de 43,8% em
junho. No último mês do ano passado, entretanto, os indeferimentos dispararam para 80,3%.
Essa elevação drástica coincidiu
com um "mutirão" organizado
pelo Cetran para diminuir a fila de
recursos e evitar que as multas
fossem anuladas. O Ministério da
Justiça havia publicado uma medida provisória estabelecendo
que as multas seriam anuladas se
os recursos não fossem julgados
em 60 dias na primeira instância e
em 90 dias na segunda instância.
O motorista também teria direito
de recorrer ao Cetran, em caso de
indeferimento pelas Jaris, sem ter
antes que pagar a multa.
A medida provisória foi derrubada em 18 de dezembro pela Câmara dos Deputados, mas mobilizou prefeituras e Estados. Oduvaldo Mônaco, do Cetran, pediu
por carta a ajuda dos municípios.
O diretor do DSV (Departamento do Sistema Viário) de São
Paulo, Daniel Candido, forneceu
quatro funcionários no começo
de dezembro. "Cada conselheiro
assessorou duas ou três pessoas.
Criamos, de uma maneira informal, câmaras para poder julgar.
Não faz parte do regimento interno, mas foi uma solução legal para poder enfrentar a medida provisória", afirma Mônaco.
Segundo ele, a assinatura do julgamento de recursos ficava sob
responsabilidade exclusiva dos
seis conselheiros, enquanto os demais apenas prestavam auxílio.
Essa alternativa encontrada pelo
Cetran para acelerar os trabalhos
é polêmica no setor jurídico.
Geraldo Lemos Pinheiro, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-presidente do Cetran, considera
uma "barbaridade" essa atuação
dos funcionários emprestados pelo DSV -órgão da prefeitura que
é responsável pela aplicação das
multas municipais. "É uma participação esdrúxula que pode influenciar a decisão. É mandar a
raposa para tomar conta do galinheiro", diz Pinheiro, ressaltando
que já há um representante oficial
do DSV entre os seis conselheiros.
Os especialistas Kazuo Sakamoto, ex-diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), e José Almeida Sobrinho, professor da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), dizem
não ver impedimento legal para a
presença dos auxiliares, desde
que a decisão final coubesse aos
conselheiros do Cetran. Eles ressalvam, porém, que a forma como
eles atuaram em São Paulo pode
deixar os resultados em xeque
-já que os funcionários do DSV
auxiliavam exclusivamente nos
recursos de multas do DSV.
"Pode fica marcada a flagrante
participação do órgão autuador",
diz Sobrinho. "O certo seria fazer
um cruzamento: quem é de um
órgão só pode ajudar no julgamento da multa do outro", afirma
Sakamoto. Robson Teixeira, assessor jurídico do Denatran, avaliza a decisão do Cetran. "Prestar
auxílio ao julgamento é legal. Os
auxiliares servem para isso."
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