São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Engenheiro das especiarias

Percebeu que, através da comida, conseguiria fazer uma incubadora para jovens abrirem pequenos negócios

DAVID HERTZ tinha 17 anos e acabado de entrar num curso de engenharia, mas preferiu trancar a matrícula e viajar por alguns meses no exterior. Os poucos meses se alongaram por sete anos, durante os quais ele descobriu rotas pela Ásia -fez meditação com monges tibetanos-, aprendeu com mestres da culinária hindu os mistérios de especiarias e, na volta ao Brasil, sua rota levou-o à favela do Jaguaré, na zona oeste de São Paulo.
"Precisei rodar o planeta para me descobrir numa favela." O encontro, tão improvável, se deu pelo prazer pela comida. Logo no início da viagem, ele já sabia que não voltaria tão cedo ao Brasil e, muito provavelmente, a engenharia ficaria, na melhor das hipóteses, para outras encarnações. Viu de longe o desencantamento de seus pais, que o imaginavam fazendo cursos na Europa e nos Estados Unidos.
Antes de chegar à Índia, David experimentava pratos em povoados da Tailândia, seduzido por temperos. "Senti gostos que jamais pensei que sentiria." Estava chegando o momento do retorno, e ele ainda não tinha uma carreira, nem dinheiro. Em Londres, conheceu um badalado chef indiano. "Passei a ser uma espécie de discípulo dele."

 

O aprendizado informal de David tornou-se mais sistemático, com os cursos que fez e as aulas que recebeu. Isso o habilitaria a ganhar a vida no fogão quando regressasse. Começou a ser chamado para elaborar o cardápio de restaurantes sofisticados, na região dos Jardins, além de completar o orçamento com eventos. "Claro que eu não podia estar feliz. Para mim, cozinhar é o encontro, quase como se estivéssemos nos elevando."
Conheceu, então, uma adolescente chamada Uridéia Andrade, que morava na favela do Jaguaré e cujo sonho era viver da culinária. Ajudou-a a montar seu negócio. "Foi uma sacada", conta. Percebeu que, através da comida, conseguiria fazer uma incubadora para jovens abrirem pequenos restaurantes, lanchonetes, oferecerem serviços de bufê ou serem cozinheiros. "Como existe muita demanda na cidade, quem formávamos conseguia emprego. Uridéia tinha se tornado, então, sua parceira nesse projeto. Por causa do entusiasmo que testemunhava nos adolescentes -"transformação dos alimentos em cheiros, novas formas e cores é um mistério"-, deu ao seu programa o nome de "Gastromotiva".
Ou seja, a motivação que vinha da gastronomia.
 

Não era muito difícil encontrar aliados. Fez de sua casa, no Alto da Lapa, uma espécie de restaurante particular em que anunciava pratos orientais. "Vinham amigos e amigas de tudo quanto é lado." Até porque fora contratado por uma universidade (Anhembi) para ser professor de gastronomia asiática. Futuros contratantes de seus alunos freqüentavam esses jantares. "Como gostavam da comida e do serviço e viam a responsabilidade dos estudantes, as propostas eram imediatas." David resolveu dedicar parte de seu tempo a colocar empresas no forno.
E está convencido de que o poder de sedução e metamorfose das especiarias orientais ele encontrou mais num favela do que nos restaurantes mais badalados.

gdimen@uol.com.br


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