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Medo faz Eletropaulo negar serviço a bairro da zona sul
Empresa afirma que técnicos receberam ameaças de criminosos na Vila Clara após serem assaltados e reconhecerem os ladrões, o que levou à suspensão dos atendimentos domiciliares
Capital paulista tem outras regiões onde serviços como telefonia, entregas de correspondência ou até de pizza enfrentam restrições
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um bairro da zona sul de São
Paulo, na divisa com Diadema
(ABC paulista), entrou na lista
de áreas "proibidas" de acesso a
serviços públicos ou privados
sob a justificativa da violência.
A AES Eletropaulo passou a
negar atendimento na rede de
energia elétrica aos moradores
da Vila Clara com a alegação de
que há ameaças de criminosos
e riscos às suas equipes.
A cidade tem outras regiões
onde serviços de luz, telefonia,
entrega de cartas e de pizza enfrentam restrições, como trechos do Jd. Elisa Maria, Peri Alto e Brasilândia, na zona norte.
A falta de regularização dos
imóveis é usada como justificativa. Mas, na Vila Clara, os problemas já se estenderam às vias
e imóveis oficiais, habitados inclusive pela classe média baixa.
A recusa na prestação de serviços no bairro pela Eletropaulo foi confirmada pela Folha,
que acompanhou a tentativa do
dono de uma casa regular de
ter instalados novos medidores
de luz. "É uma região de perigo". "Não podemos adentrar no
bairro por causa da violência".
"Há outros clientes na situação
do senhor". "Você está vivendo
no Brasil. Acontece mesmo."
As explicações foram dadas
pela equipe do posto da AES
Eletropaulo na conversa -gravada pela reportagem- com
esse morador da Vila Clara. A
concessionária de energia elétrica diz que passou a ter essa
restrição no começo deste ano.
Afirma estar em negociação
com "lideranças" do bairro para normalizar a situação.
A Vila Clara está localizada
em parte dos distritos do Jabaquara e de Cidade Ademar, que
abriga de favelas a moradias de
classe média e vias de comércio. Segundo a Eletropaulo, os
trabalhos na rede de energia
elétrica foram proibidos depois
de dois assaltos seguidos a
equipes da empresa e do reconhecimento de um dos autores
do crime. A concessionária alega que as tentativas de voltar à
região foram fracassadas por
conta das ameaças. Não pediu,
porém, auxílio da polícia. Alega
que só elevaria a animosidade.
Morador da Vila Clara há 13
anos, período em que é cliente
da Eletropaulo, Ricardo (nome
fictício), 41, ficou inconformado por não ser atendido mesmo
pagando as contas. A regra não
permite mais de dez dias úteis
para um serviço como instalar
medidores de energia.
Roberto Mário Di Nardo, diretor-executivo de operação da
AES Eletropaulo, diz que as
restrições à entrada de equipes
já ocorreram em outros bairros, como nas favelas de Heliópolis e Paraisópolis, na zona
sul, mas que foram resolvidas.
"Pode demorar dois ou três
meses, assim como pode demorar uma semana, um dia."
"A insegurança é uma justificativa inaceitável. Se há riscos,
a empresa que tome as providências para proteger os seus
agentes. Há uma violação grave
da sua responsabilidade", afirma Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito público.
O advogado Arnoldo Wald
Filho avalia que a responsabilidade é do Estado. "A empresa
tem a obrigação de prestar serviço em situações normais."
Segundo estatísticas da Fundação Seade de 2006, as taxas
de homicídio da população de
Cidade Ademar e do Jabaquara
(entre 27 e 30 por 100 mil habitantes) superavam a média de
22 da capital, mas ficavam
abaixo da Brasilândia, com 38.
Correios
Os Correios contrataram escolta armada em 2007 para
acompanhar entregas motorizadas nas zonas norte e leste.
No ABC, um carteiro relata:
quando tira férias, leva seu
substituto para apresentá-lo às
lideranças dos moradores e evitar a presença de um estranho.
"Antigamente, aqui, tiro parecia pipoca. Mas hoje não é assim. Os carteiros não entram
porque não querem", afirma
Francisca Santana, 57, liderança de moradores do Jardim Vista Alegre, na zona norte.
No Jardim Colônia, na zona
leste, faz dois meses que mais
de cem casas deixaram de receber as cartas. O novo carteiro
deixa tudo nos muros de outra
rua. "Está todo mundo doido.
As contas não chegam", diz Maria Aparecida de Souza, 43.
Didi Jaya, do Jardim Peri Alto, na zona norte, afirma que "a
periferia é última prioridade de
todos". Mas admite: "Atacaram
três carros da Telefônica. Adivinhe: ela não voltou mais."
Em vias da Brasilândia, moradores têm que esperar a pizza
na esquina, que é mais iluminada. Para conseguir outros atendimentos, a estratégia é indicar
um endereço diferente, já que
as concessionárias não entram
no miolo do bairro. Não é à toa
que há oito telefones num mesmo bar da rua Flor de Liz. De lá,
cada um puxa sua fiação.
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