São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

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Medo faz Eletropaulo negar serviço a bairro da zona sul

Empresa afirma que técnicos receberam ameaças de criminosos na Vila Clara após serem assaltados e reconhecerem os ladrões, o que levou à suspensão dos atendimentos domiciliares

Capital paulista tem outras regiões onde serviços como telefonia, entregas de correspondência ou até de pizza enfrentam restrições

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um bairro da zona sul de São Paulo, na divisa com Diadema (ABC paulista), entrou na lista de áreas "proibidas" de acesso a serviços públicos ou privados sob a justificativa da violência.
A AES Eletropaulo passou a negar atendimento na rede de energia elétrica aos moradores da Vila Clara com a alegação de que há ameaças de criminosos e riscos às suas equipes.
A cidade tem outras regiões onde serviços de luz, telefonia, entrega de cartas e de pizza enfrentam restrições, como trechos do Jd. Elisa Maria, Peri Alto e Brasilândia, na zona norte. A falta de regularização dos imóveis é usada como justificativa. Mas, na Vila Clara, os problemas já se estenderam às vias e imóveis oficiais, habitados inclusive pela classe média baixa.
A recusa na prestação de serviços no bairro pela Eletropaulo foi confirmada pela Folha, que acompanhou a tentativa do dono de uma casa regular de ter instalados novos medidores de luz. "É uma região de perigo". "Não podemos adentrar no bairro por causa da violência". "Há outros clientes na situação do senhor". "Você está vivendo no Brasil. Acontece mesmo."
As explicações foram dadas pela equipe do posto da AES Eletropaulo na conversa -gravada pela reportagem- com esse morador da Vila Clara. A concessionária de energia elétrica diz que passou a ter essa restrição no começo deste ano. Afirma estar em negociação com "lideranças" do bairro para normalizar a situação.
A Vila Clara está localizada em parte dos distritos do Jabaquara e de Cidade Ademar, que abriga de favelas a moradias de classe média e vias de comércio. Segundo a Eletropaulo, os trabalhos na rede de energia elétrica foram proibidos depois de dois assaltos seguidos a equipes da empresa e do reconhecimento de um dos autores do crime. A concessionária alega que as tentativas de voltar à região foram fracassadas por conta das ameaças. Não pediu, porém, auxílio da polícia. Alega que só elevaria a animosidade.
Morador da Vila Clara há 13 anos, período em que é cliente da Eletropaulo, Ricardo (nome fictício), 41, ficou inconformado por não ser atendido mesmo pagando as contas. A regra não permite mais de dez dias úteis para um serviço como instalar medidores de energia.
Roberto Mário Di Nardo, diretor-executivo de operação da AES Eletropaulo, diz que as restrições à entrada de equipes já ocorreram em outros bairros, como nas favelas de Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul, mas que foram resolvidas. "Pode demorar dois ou três meses, assim como pode demorar uma semana, um dia."
"A insegurança é uma justificativa inaceitável. Se há riscos, a empresa que tome as providências para proteger os seus agentes. Há uma violação grave da sua responsabilidade", afirma Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito público.
O advogado Arnoldo Wald Filho avalia que a responsabilidade é do Estado. "A empresa tem a obrigação de prestar serviço em situações normais."
Segundo estatísticas da Fundação Seade de 2006, as taxas de homicídio da população de Cidade Ademar e do Jabaquara (entre 27 e 30 por 100 mil habitantes) superavam a média de 22 da capital, mas ficavam abaixo da Brasilândia, com 38.

Correios
Os Correios contrataram escolta armada em 2007 para acompanhar entregas motorizadas nas zonas norte e leste. No ABC, um carteiro relata: quando tira férias, leva seu substituto para apresentá-lo às lideranças dos moradores e evitar a presença de um estranho.
"Antigamente, aqui, tiro parecia pipoca. Mas hoje não é assim. Os carteiros não entram porque não querem", afirma Francisca Santana, 57, liderança de moradores do Jardim Vista Alegre, na zona norte.
No Jardim Colônia, na zona leste, faz dois meses que mais de cem casas deixaram de receber as cartas. O novo carteiro deixa tudo nos muros de outra rua. "Está todo mundo doido. As contas não chegam", diz Maria Aparecida de Souza, 43.
Didi Jaya, do Jardim Peri Alto, na zona norte, afirma que "a periferia é última prioridade de todos". Mas admite: "Atacaram três carros da Telefônica. Adivinhe: ela não voltou mais."
Em vias da Brasilândia, moradores têm que esperar a pizza na esquina, que é mais iluminada. Para conseguir outros atendimentos, a estratégia é indicar um endereço diferente, já que as concessionárias não entram no miolo do bairro. Não é à toa que há oito telefones num mesmo bar da rua Flor de Liz. De lá, cada um puxa sua fiação.


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