São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

Termos (im)precisos

Os dicionários nem sempre são confiáveis quando se trata de diferenciar o vulgo do técnico ou específico

NO ÚLTIMO DOMINGO, a Folha publicou uma matéria sobre a "recepção" que o Reino Unido dá aos brasileiros que tentam entrar nas terras de "Her Majesty". Somos os campeões absolutos do "no" ou do "go home".
No título presente na capa do jornal, foi empregada a palavra "barrados" ("Brasileiros são os mais barrados pelo Reino Unido"); no caderno Cotidiano, empregou-se o vocábulo "deportações" ("Brasil lidera deportações no Reino Unido"). Na segunda-feira, em sua crítica interna, o ombudsman (Mário Magalhães) comentou a questão: "Só pode ser deportado, creio, quem já entrou no país".
A "crença" de Magalhães tinha fundamento, a julgar pelo que informam o Itamaraty e os dicionários. O "Houaiss", por exemplo, diz isto a respeito de "deportação", quando "termo jurídico": "Pena que o Estado impõe ao estrangeiro que se torna nocivo à ordem pública nacional e que consiste em fazê-lo sair do país, não podendo a ele retornar". Parece claro, pois, que não se pode deportar de um país quem nele nem sequer entrou.
O caso de "deportar" x "barrar" é apenas um dos tantos exemplos que se podem dar de (im)precisão ou (im)propriedade vocabular. O fato é que muitos termos ou expressões que no vulgo são equivalentes deixam de sê-lo quando se entra no território da informação científica, jornalística, técnica etc.
É esse o caso de "calote" x "inadimplência", que volta e meia a imprensa torna sinônimos. Além de fortemente pejorativa (que ninguém pense que de repente aderi ao ultramegachatíssimo, fascistóide e macarthista "politicamente correto"), a palavra "calote" é inadequada quando empregada para que se informe que alguém se viu impedido de cumprir determinadas obrigações contratuais.
O "Aurélio" informa que o termo "calote" é da variedade familiar da língua e significa "dívida não paga, e/ou contraída sem intenção de pagamento". Quando a impiedosa língua do povo diz que fulano de tal é caloteiro (quantas vezes ouvi isso na minha querida Mooca)... Bem, nem preciso terminar, preciso?
Convém dizer que "inadimplência" (ou "inadimplemento") é o "ato ou efeito de inadimplir", verbo que significa "deixar de cumprir no tempo convencionado um contrato ou qualquer das condições dele".
Mas os dicionários nem sempre são confiáveis quando se trata de diferenciar o vulgo do técnico ou específico. Um belo caso é o de "furtar" x "roubar", que, grosso modo, os dicionários dão como equivalentes, para arrepio de juristas, advogados, juízes etc. Na linguagem jurídica, "roubar" significa "subtrair bem alheio mediante violência ou ameaça". Por essa definição, quem sorrateiramente (ou "à sorrelfa") abre carteiras alheias e garfa alguns dobrões não rouba; furta.
Os tentáculos desse tema são ilimitados. Podem ir da física à economia, do direito à geopolítica. Supor, por exemplo, que Reino Unido e Grã-Bretanha sejam expressões equivalentes é fruto comum do emprego impreciso de nomes. A Grã-Bretanha é a ilha em que ficam a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales. Esses três e a Irlanda do Norte formam o Reino Unido. É isso.


inculta@uol.com.br


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