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PASQUALE CIPRO NETO
Termos (im)precisos
Os dicionários nem sempre são confiáveis quando se trata de diferenciar o vulgo do técnico ou específico
NO ÚLTIMO DOMINGO, a Folha
publicou uma matéria sobre a "recepção" que o Reino Unido dá aos brasileiros que
tentam entrar nas terras de "Her
Majesty". Somos os campeões absolutos do "no" ou do "go home".
No título presente na capa do
jornal, foi empregada a palavra
"barrados" ("Brasileiros são os
mais barrados pelo Reino Unido");
no caderno Cotidiano, empregou-se o vocábulo "deportações" ("Brasil lidera deportações no Reino
Unido"). Na segunda-feira, em sua
crítica interna, o ombudsman (Mário Magalhães) comentou a questão: "Só pode ser deportado, creio,
quem já entrou no país".
A "crença" de Magalhães tinha
fundamento, a julgar pelo que informam o Itamaraty e os dicionários. O "Houaiss", por exemplo, diz
isto a respeito de "deportação",
quando "termo jurídico": "Pena
que o Estado impõe ao estrangeiro
que se torna nocivo à ordem pública nacional e que consiste em fazê-lo sair do país, não podendo a ele
retornar". Parece claro, pois, que
não se pode deportar de um país
quem nele nem sequer entrou.
O caso de "deportar" x "barrar" é
apenas um dos tantos exemplos
que se podem dar de (im)precisão
ou (im)propriedade vocabular. O
fato é que muitos termos ou expressões que no vulgo são equivalentes deixam de sê-lo quando se
entra no território da informação
científica, jornalística, técnica etc.
É esse o caso de "calote" x "inadimplência", que volta e meia a imprensa torna sinônimos. Além de
fortemente pejorativa (que ninguém pense que de repente aderi
ao ultramegachatíssimo, fascistóide e macarthista "politicamente
correto"), a palavra "calote" é inadequada quando empregada para
que se informe que alguém se viu
impedido de cumprir determinadas obrigações contratuais.
O "Aurélio" informa que o termo
"calote" é da variedade familiar da
língua e significa "dívida não paga,
e/ou contraída sem intenção de
pagamento". Quando a impiedosa
língua do povo diz que fulano de tal
é caloteiro (quantas vezes ouvi isso
na minha querida Mooca)... Bem,
nem preciso terminar, preciso?
Convém dizer que "inadimplência"
(ou "inadimplemento") é o "ato ou
efeito de inadimplir", verbo que
significa "deixar de cumprir no
tempo convencionado um contrato ou qualquer das condições dele".
Mas os dicionários nem sempre
são confiáveis quando se trata de
diferenciar o vulgo do técnico ou
específico. Um belo caso é o de
"furtar" x "roubar", que, grosso modo, os dicionários dão como equivalentes, para arrepio de juristas, advogados, juízes etc. Na linguagem
jurídica, "roubar" significa "subtrair bem alheio mediante violência ou ameaça". Por essa definição,
quem sorrateiramente (ou "à sorrelfa") abre carteiras alheias e garfa
alguns dobrões não rouba; furta.
Os tentáculos desse tema são ilimitados. Podem ir da física à economia, do direito à geopolítica. Supor, por exemplo, que Reino Unido
e Grã-Bretanha sejam expressões
equivalentes é fruto comum do emprego impreciso de nomes. A Grã-Bretanha é a ilha em que ficam a
Inglaterra, a Escócia e o País de Gales. Esses três e a Irlanda do Norte
formam o Reino Unido. É isso.
inculta@uol.com.br
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