São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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MÁFIA DOS FISCAIS
Em depoimento, ambulante conta como o rateio de propina entre fiscais de SP garantia poder no Santa Ifigênia
Camelô comprou viaduto por R$ 15 mil

SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

Ele é baixo, risonho e um pouco tímido. Fala rápido, fez até a 8ª série e saiu do Rio Grande do Norte para tentar a vida em São Paulo.
A descrição poderia servir a muitos ambulantes da capital, mas Gilberto Monteiro da Silva, 36, é um camelô de elite: ele é "dono" do viaduto Santa Ifigênia, um pontilhão com 226 bancas, apontado como a segunda área mais lucrativa para o comércio ambulante.
Preso temporariamente desde a última terça, ele é considerado uma das mais importantes testemunhas da polícia nas investigações da máfia dos fiscais -um esquema de extorsão promovido por funcionários da prefeitura contra camelôs irregulares.
Na madrugada de sexta, a Folha teve acesso a seu depoimento. Em linguagem clara, ele contou durante sete horas como comprou o viaduto e aderiu ao esquema.

COMPRA - "Em 93, o Maluf assumiu e os fiscais fizeram um "rapa" no dia seguinte. Logo achei que aquilo era uma forma de valorizar a situação. Quanto mais a gente se desesperasse, mais iria pagar. Resolvi organizar o viaduto para diminuir as despesas dos ambulantes e ter força política para negociar. Aí eles souberam e passaram a exigir dinheiro. Por R$ 15 mil por mês eu tinha controle de tudo, mas minha vida virou um inferno."

PRESSÃO - "Você é obrigado a entrar no esquema. Quem está na rua ou participa ou é morto, não vive. Não tem como fugir. Eu queria tirar os camelôs dali para um bolsão porque eu sabia que a casa ia cair, como caiu. Mas os bolsões não têm a menor estrutura."

PARTILHA - "Eu arrecadava uns R$ 30 mil por mês. Ou seja, R$ 7.500 por semana -R$ 35 de cada camelô. Disso, R$ 10 mil ficavam comigo para minha subsistência, R$ 5 mil pagavam as despesas da associação e R$ 15 mil iam para os chefes da fiscalização. Uns eram fiscais mesmo, outros trabalhavam na Câmara Municipal. Muitos deles cobravam o dinheiro usando nome dos vereadores."

FUTURO - "Temo pela minha segurança. Se eu já era perseguido antes, imagina agora. Recebo muitas ameaças e vivo assustado. Não consigo dormir. Já troquei de telefone umas seis vezes. Não via a hora de sair disso, mas não quero ser um papel higiênico, que é usado e jogado fora. Quero proteção e vou andar com os nomes que citei na carteira para que sejam procurados caso alguma coisa aconteça comigo depois que sair da cadeia."


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