São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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Desativação é discutida desde a década de 80

DA REPORTAGEM LOCAL

Primeiro, o complexo do Carandiru não foi desativado por causa do plano diretor de São Paulo, que proíbe a construção de prédios naquela região da cidade. Pensava-se em trocar o espaço por dinheiro da iniciativa privada. Depois, além disso, houve como agravante a "explosão" da população carcerária no Estado.
Esse é o cenário desfavorável para a desativação da Casa de Detenção, descrito por autoridades que passaram pelo sistema prisional nas últimas duas décadas.
Pode-se dizer que a política carcerária de São Paulo, que concentra quase a metade dos presos do país, cerca de 93 mil condenados, está atrasada quase duas décadas.
Alguém que viajasse no tempo, dos dias atuais para o início dos anos 80, ficaria espantado ao ler nos jornais da época que uma suposta facção de presos estaria controlando as penitenciárias paulistas (os Serpentes Negras), que o complexo do Carandiru, na capital, o maior presídio da América Latina, seria desativado e que, para evitar a mistura de presos perigosos com primários, seriam criados centros de triagem para separá-los tipos de crimes. Essas notícias estão no noticiário atual.
O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, enquanto secretário de Justiça de São Paulo (83-85), pretendia trocar a área do Carandiru, com empresas particulares, pela construção de penitenciárias em outras regiões do Estado. A idéia era driblar a crise financeira.
O problema do dinheiro se estendeu pelos governos seguintes -Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho e Mário Covas.
Em 96, o então governador, Mário Covas, chegou a anunciar que desativaria o complexo. Terminou 21 presídios, em parceria com a União, sem concluir o projeto.
O secretário da Administração Penitenciária de Covas, Benedito de Azevedo Marques, fez até um concurso para definir o que seria construído no local. Em vez de presos, haveria ali um parque, teatro e áreas de lazer.
"Não conseguimos porque houve um crescimento muito grande do número de presos no Estado."
Antes de ser desativada, daqui um ano, a Casa de Detenção será dividida em três prisões menores, também como chegou a ser anunciado na ""Era Montoro".
Para a secretaria, dominar a Detenção, que tem hoje 7.000 presos, é garantia de controle do sistema. Foi dessa unidade e da Penitenciária do Estado, que funciona ao lado, no complexo do Carandiru, que partiram as ordens do PCC para dar início à megarrebelião.

Círculo vicioso
Vários fatores explicam o atraso na política carcerária do Estado e por que o discurso do governo ainda é o mesmo, segundo especialistas e ex-autoridades consultados pela Folha: faltou dinheiro para a construção de presídios ao longo dos anos, não se investiu como deveria para atender a Lei de Execuções -a que regulamenta como a pena do sentenciado deve ser cumprida- e, o mais importante, a população carcerária explodiu, de 25 mil (83) para 93 mil (2001) condenados.
Se em 19 anos, São Paulo ganhou 68 mil novos presos, os governos estaduais criaram pouco mais da metade disso de novas vagas nas prisões, 37,3 mil.
""Nunca deu importância devida às prisões de regime semi-aberto e ao trabalho para os encarcerados, como prevê a lei (Execuções Penais), que é de 84", afirmou o advogado Miguel Reale Junior, ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo e presidente da comissão que está revendo a Lei de Execuções. ""Se tivessem cumprido a lei, o PCC não existiria."
O sistema prisional brasileiro é progressivo: o condenado deveria ficar um período no fechado, para depois progredir para o semi-aberto -onde até trabalha fora e dorme na unidade- e, por último, chegaria à liberdade.
Hoje, faltam cerca de 3.000 vagas no semi-aberto de São Paulo. Isso quer dizer que esses detentos cumprem pena, de modo irregular, no regime fechado. ""O trabalho, com a remissão (troca de três dias trabalhados por um de pena), e a expectativa de progredir garantem a disciplina interna."
Para o deputado federal Luiz Antonio Fleury Filho (PDT-SP), ex-governador do Estado, o grande problema paulista é a superlotação das delegacias. Na década de 70, os distritos começam a ficar com presos condenados, na falta de vagas em presídios.
Fleury foi o que menos vagas criou em presídios desde o governo Franco Montoro, apesar de ele questionar os dados da Secretaria da Administração e dizer fez o dobro de vagas. ""Passei pelos efeitos do Plano Collor, dois planos econômicos e por três moedas diferentes", afirma, ao explicar que tinha problemas para investir. É na gestão dele que ocorreu o massacre de 111 presos dentro da Casa de Detenção.
Fleury, que foi secretário da Segurança Pública no governo Orestes Quércia, diz ter construído cinco ""cadeiões" para tentar resolver parte da crise nos distritos, que, segundo a lei, deveriam ter apenas os detentos não-condenados. Essas unidades, hoje, são criticadas por especialistas, por não oferecer condições para trabalho. ""Acontece que elas não eram destinadas aos presos condenados e estão servindo para isso por falta de outras vagas." (ALESSANDRO SILVA)


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