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Desativação é discutida desde a década de
80
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro, o complexo do Carandiru não foi desativado por
causa do plano diretor de São
Paulo, que proíbe a construção de
prédios naquela região da cidade.
Pensava-se em trocar o espaço
por dinheiro da iniciativa privada.
Depois, além disso, houve como
agravante a "explosão" da população carcerária no Estado.
Esse é o cenário desfavorável
para a desativação da Casa de Detenção, descrito por autoridades
que passaram pelo sistema prisional nas últimas duas décadas.
Pode-se dizer que a política carcerária de São Paulo, que concentra quase a metade dos presos do
país, cerca de 93 mil condenados,
está atrasada quase duas décadas.
Alguém que viajasse no tempo,
dos dias atuais para o início dos
anos 80, ficaria espantado ao ler
nos jornais da época que uma suposta facção de presos estaria
controlando as penitenciárias
paulistas (os Serpentes Negras),
que o complexo do Carandiru, na
capital, o maior presídio da América Latina, seria desativado e que,
para evitar a mistura de presos
perigosos com primários, seriam
criados centros de triagem para
separá-los tipos de crimes. Essas
notícias estão no noticiário atual.
O ex-ministro da Justiça José
Carlos Dias, enquanto secretário
de Justiça de São Paulo (83-85),
pretendia trocar a área do Carandiru, com empresas particulares,
pela construção de penitenciárias
em outras regiões do Estado. A
idéia era driblar a crise financeira.
O problema do dinheiro se estendeu pelos governos seguintes
-Orestes Quércia, Luiz Antonio
Fleury Filho e Mário Covas.
Em 96, o então governador, Mário Covas, chegou a anunciar que
desativaria o complexo. Terminou 21 presídios, em parceria com
a União, sem concluir o projeto.
O secretário da Administração
Penitenciária de Covas, Benedito
de Azevedo Marques, fez até um
concurso para definir o que seria
construído no local. Em vez de
presos, haveria ali um parque,
teatro e áreas de lazer.
"Não conseguimos porque houve um crescimento muito grande
do número de presos no Estado."
Antes de ser desativada, daqui
um ano, a Casa de Detenção será
dividida em três prisões menores,
também como chegou a ser anunciado na ""Era Montoro".
Para a secretaria, dominar a Detenção, que tem hoje 7.000 presos,
é garantia de controle do sistema.
Foi dessa unidade e da Penitenciária do Estado, que funciona ao
lado, no complexo do Carandiru,
que partiram as ordens do PCC
para dar início à megarrebelião.
Círculo vicioso
Vários fatores explicam o atraso
na política carcerária do Estado e
por que o discurso do governo
ainda é o mesmo, segundo especialistas e ex-autoridades consultados pela Folha: faltou dinheiro
para a construção de presídios ao
longo dos anos, não se investiu
como deveria para atender a Lei
de Execuções -a que regulamenta como a pena do sentenciado
deve ser cumprida- e, o mais
importante, a população carcerária explodiu, de 25 mil (83) para
93 mil (2001) condenados.
Se em 19 anos, São Paulo ganhou 68 mil novos presos, os governos estaduais criaram pouco
mais da metade disso de novas
vagas nas prisões, 37,3 mil.
""Nunca deu importância devida
às prisões de regime semi-aberto
e ao trabalho para os encarcerados, como prevê a lei (Execuções
Penais), que é de 84", afirmou o
advogado Miguel Reale Junior,
ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo e presidente da
comissão que está revendo a Lei
de Execuções. ""Se tivessem cumprido a lei, o PCC não existiria."
O sistema prisional brasileiro é
progressivo: o condenado deveria
ficar um período no fechado, para
depois progredir para o semi-aberto -onde até trabalha fora e
dorme na unidade- e, por último, chegaria à liberdade.
Hoje, faltam cerca de 3.000 vagas no semi-aberto de São Paulo.
Isso quer dizer que esses detentos
cumprem pena, de modo irregular, no regime fechado. ""O trabalho, com a remissão (troca de três
dias trabalhados por um de pena),
e a expectativa de progredir garantem a disciplina interna."
Para o deputado federal Luiz
Antonio Fleury Filho (PDT-SP),
ex-governador do Estado, o grande problema paulista é a superlotação das delegacias. Na década
de 70, os distritos começam a ficar
com presos condenados, na falta
de vagas em presídios.
Fleury foi o que menos vagas
criou em presídios desde o governo Franco Montoro, apesar de ele
questionar os dados da Secretaria
da Administração e dizer fez o dobro de vagas. ""Passei pelos efeitos
do Plano Collor, dois planos econômicos e por três moedas diferentes", afirma, ao explicar que tinha problemas para investir. É na
gestão dele que ocorreu o massacre de 111 presos dentro da Casa
de Detenção.
Fleury, que foi secretário da Segurança Pública no governo
Orestes Quércia, diz ter construído cinco ""cadeiões" para tentar
resolver parte da crise nos distritos, que, segundo a lei, deveriam
ter apenas os detentos não-condenados. Essas unidades, hoje,
são criticadas por especialistas,
por não oferecer condições para
trabalho. ""Acontece que elas não
eram destinadas aos presos condenados e estão servindo para isso por falta de outras vagas."
(ALESSANDRO SILVA)
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