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Miss não tem o direito a ter individualidade
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Depois de vários anos caidaço,
o concurso de miss Brasil decidiu se glamourizar, começando
pela escolha do júri, que só tinha
famosos: de d. Mariza Alencar,
mulher do vice-presidente, a José Simão, colunista da Folha,
passando por Glorinha Kalil,
Costanza Pascolato, Celine Imbert, Duda Molina, Bob Wolfenson e Alexandre Herchcovitch,
entre outros.
Misses são seres de outro planeta, que só olham para o espelho e para as câmeras fotográficas, só falam com jornalistas e
são, todas, sim-pa-ti-cís-si-mas.
Daí a vontade de entrar no camarim, para ver como elas são
de verdade. Pois fique sabendo:
lá dentro elas são iguaizinhas.
Chegaram de cabeça e cara lavada, jeans, camiseta, e salto altíssimo, tipo uns 15 centímetros
(tomam banho de sapato, claro).
Ali, onde as mães são proibidas de entrar, começam a cuidar
da maquiagem e dos cabelos, e
não têm o direito a dar um só
palpite. A temperatura ambiente
era a de um microondas ligado
na potência máxima, e além disso cruzavam no ar, em todas as
direções, lufadas de ar quentíssimo dos secadores; mas elas não
se queixavam nem transpiravam
-o regulamento não deve permitir.
É incrível como moças vindas
de todas as regiões do país podem ser tão parecidas. A maioria
delas estuda administração de
empresas, medicina, jornalismo,
sociologia ou direito e tem como
hobby ler, ir à praia, nadar, dançar, desfilar, ouvir música e fazer
ginástica. Suas admirações vão
de Ayrton Senna a Nelson Mandella, passando por Jô Soares,
Silvio Santos, Betinho, o papa, d.
Zilda Arns e Deus, mas todas
pretendem trabalhar na televisão como apresentadoras ou serem modelo. Outra coisa: to-das
têm cabelo liso e longo. Não é
que elas tenham: têm que ter. Se
o cabelo for crespo, é alisado, e,
se for curto, é implantado.
Aí, chegou a hora do concurso
propriamente dito: primeiro o
desfile em trajes típicos, depois
com roupa de gala e, para finalizar, de maiô. O júri (do qual eu
fazia parte) tinha que escolher
dez em cada quesito.
Começou o problema: a gente
passa a vida achando que mulher bonita é Gisele Bündchen,
que pesa 50 quilos, tem perna fina e quadril estreitinho, que maravilhosa é Kate Moss, esquálida, com cara de famélica, todas
fazendo cara de quem tem atitude, e de repente é preciso escolher dez misses sorridentes, com
a-que-la saúde e coxa grossa; logo coxa grossa, coisa imperdoável atualmente, no mundo da
beleza. Instala-se um problema
filosófico: o que é a beleza, afinal? E como não havia tempo
para discutir o problema, votamos do jeito que foi possível
-bem, eu acho.
Perguntas, já redigidas, foram
distribuídas a alguns membros
do júri, para serem feitas às misses; quando um dos jurados disse que ia perguntar uma coisa diferente, alguém avisou: "Não faça isso, porque elas já têm as respostas prontas". Miss não tem o
direito a ter individualidade
nem personalidade, nem por fora nem por dentro.
Por isso, foi um alívio quando
a miss Brasil 2002, com sua capa
vermelha debruada de arminho
tipo Papai Noel, disse, na despedida de seu reinado: "Foi muito
bom, e eu ajudei muito a mim".
Palavras que certamente não
estavam no script e que foram as
únicas verdadeiras da noite inteira.
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