São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2010

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ANÁLISE A CRIANÇA NA JUSTIÇA

Ritos judiciais levam ao agravamento da violência sofrida

Esforço louvável para melhorar Judiciário, projeto "depoimento sem dano" busca corrigir procedimentos


É PELA VERGONHA DE EXPOR A DEGRADAÇÃO MORAL DE PARENTES QUE MUITAS VÍTIMAS SE SILENCIAM


RICARDO DE MORAES CABEZÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma das formas mais cruéis, covardes e difíceis de detectar em nosso meio social.
Oriunda, na sua generalidade, de pessoas que deveriam ser as primeiras a zelar pelo seu sadio desenvolvimento, desencadeia uma profunda erosão emocional da vítima, a transposição de sua fase infanto-juvenil, além da degradação de seus valores: um trauma que jamais será esquecido!
Em que pese a (r)evolução de meios de comunicação e costumes, inexiste comunidade em sites de relacionamento, histórico de passeata ou protesto que tenha reunido vítimas de abuso sexual na fase infanto-juvenil, tamanho o constrangimento que essa lembrança é capaz de gerar em toda uma vida.
É pela vergonha e dificuldade de expor a degradação moral de parentes que muitas vítimas se silenciam, preferindo amargar sua angústia a expor um fato que ensejará olhares, rótulos, comentários e cobranças.
Há outros fatores obstativos à erradicação de tal teratologia, como a dificuldade inicial de uma criança compreender que na "pseudo carícia" da insuperável figura paterna há um ato monstruoso que deve ser denunciado; o medo de delatar um problema que acabará com o casamento de seus pais; a sucumbência às intimidações e exigências de sigilo do agressor; o suicídio da vítima, enfim, infindáveis variantes.
Contrariando a maioria existem aqueles que são encorajados a levar a situação adiante, encarando traumas e buscando na Justiça um alento. É nesse momento que surgem circunstâncias que conseguem agravar a violência sofrida: os ritos enfrentados pela vítima para delação do abusador.
Subestimar a percepção de uma criança em um exame de corpo de delito, inquiri-la sem adequar o atendimento à sua condição, expor gratuitamente a intimidade de uma adolescente, deixar vazar informações a colegas de escola, dentre outras ocorrências, nos dão mostras do que um despreparo pode gerar.
Buscando corrigir procedimentos, merece ser citado o projeto "depoimento sem dano", em que crianças e jovens são poupados das declarações vexatórias em frente a magistrado, Ministério Público e demais integrantes da lide, a fim de que possam ter uma conversa reservada em local diferenciado com psicólogo que, seja por atividades lúdicas ou um diálogo acolhedor, busca extrair os dados que, informados ao juiz, servirão de subsídio para condenação do agressor.
Se dissermos que um projeto como esse traz algo diferente do que a lei apregoa há mais de 20 anos seria no mínimo deslealdade. No entanto, é louvável que o esforço em prol da melhoria do Judiciário se mostre.


RICARDO DE M. CABEZÓN é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP


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