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HISTÓRIA
E se os homens menstruassem?
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Milhões de mulheres estão
menstruando neste momento,
boa parte de três bilhões delas
vão fazê-lo nos próximos dias,
e, apesar disso, o preconceito
masculino contra esse fenômeno natural permanece.
O motivo é simples: as principais religiões do planeta consideram menstruar como algo
"impuro", e recomendam
que seus fiéis não façam sexo
quando as mulheres estão assim "poluídas".
Os livros sagrados -a Bíblia
dos cristãos e o Corão dos muçulmanos, por exemplo-
condenam o sexo com mulheres menstruadas. Os judeus
também devem evitar isso, do
mesmo modo como não podem comer carne de porco.
As religiões são assim porque
praticamente todas as sociedades humanas são patriarcais,
isto é, a maior parte dos valores e dos tabus foi instituída
por homens.
Uma pesquisadora nos EUA
revelou faz alguns anos que
uma tribo perdida na Nova
Guiné tinha dose razoável de
igualdade entre os sexos, e não
havia entre eles o tabu do sexo
com mulher menstruada. Foi
um caso celebrado por ser tão
raro.
Mesmo os civilizados gregos e
romanos achavam o sangue
menstrual algo sujo, a ser evitado a todo custo. Até um autor
como Plínio, o Velho (23?-79
d.C.), implicava com esse sangramento feminino.
Gaius Plinius Secundus -seu
nome completo - foi autor de
uma obra monumental de história natural. Pode ser considerado
o principal conhecedor de ciência da época romana. Mas achava que o fluxo menstrual tinha o
poder de azedar o vinho e enlouquecer cachorros.
Os homens modernos podem
não acreditar mais nesse tipo de
história, mas ainda evitam as
mulheres menstruadas, tamanho foi o impacto da milenar
propaganda contra vaginas sanguinolentas.
"E se os homens menstruassem?", se perguntou a feminista
americana Gloria Steinem.
"Claramente, a menstruação se
tornaria um evento masculino
invejável, valioso: os homens se
gabariam de quanto e por quanto tempo menstruaram", responde.
"Os homens iriam convencer
as mulheres de que o sexo é mais
prazeroso "naquele momento
do mês'", continua Steinem.
Mesmo os cientistas se interessaram pouco pelo assunto. Até
recentemente, a maior parte da
ciência no planeta era feita por
homens. Só foi em 1971 que uma
jovem estudante universitária da
Universidade Harvard (EUA) fez
uma descoberta importante: que
mulheres vivendo juntas muitas
vezes menstruam ao mesmo
tempo.
A autora da descoberta da sincronia na menstruação, Martha
McClintock, hoje na Universidade de Chicago (EUA), persistiu
no tema. E este ano fez outra
descoberta seminal.
Junto com sua colega Kathleen
Stern, ela mostrou em março
passado, pela primeira vez conclusivamente, que os seres humanos produzem dois hormônios ligados à atração sexual pelo
odor, os "feromônios".
E, mais ainda, elas mostraram
o mecanismo bioquímico pelo
qual eles controlam a sincronia
menstrual. Mulheres formam a
grande maioria daqueles cientistas que estudam a menstruação,
como se pôde verificar na reunião da Sociedade para Pesquisa
do Ciclo Menstrual.
A última reunião dessa sociedade científica teve um visitante
do sexo masculino fora do comum: o ilustrador americano
Harry Finley, criador de um original Museu da Menstruação
(conhecido pela sigla Mum, em
inglês).
O museu pode ser visitado na
Internet no site
http://www.mum.org, e inclui
reproduções de anúncios de absorventes e ilustrações de vários
modelos deles. Apesar do seu interesse pelo tema, Finley confessa que não faz sexo com mulheres menstruadas. Para ele, "sangue era, e é", broxante.
O museu fica em um subúrbio
de Washington, EUA. Para visitá-lo, só com hora marcada pelo
telefone (001-301-459-4450).
Finley não acha que as mulheres vão aderir em massa aos implantes que eliminam a menstruação. "Eu não acho que vai
ser comum. Ainda é incerto
quais efeitos de longo prazo isso
vai ter nas mulheres, e a maior
parte delas reclama da menstruação mas provavelmente não
iriam pará-la permanentemente", disse ele à Folha; "mas eu
posso estar errado."
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