São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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HISTÓRIA
E se os homens menstruassem?

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Milhões de mulheres estão menstruando neste momento, boa parte de três bilhões delas vão fazê-lo nos próximos dias, e, apesar disso, o preconceito masculino contra esse fenômeno natural permanece. O motivo é simples: as principais religiões do planeta consideram menstruar como algo "impuro", e recomendam que seus fiéis não façam sexo quando as mulheres estão assim "poluídas". Os livros sagrados -a Bíblia dos cristãos e o Corão dos muçulmanos, por exemplo- condenam o sexo com mulheres menstruadas. Os judeus também devem evitar isso, do mesmo modo como não podem comer carne de porco. As religiões são assim porque praticamente todas as sociedades humanas são patriarcais, isto é, a maior parte dos valores e dos tabus foi instituída por homens. Uma pesquisadora nos EUA revelou faz alguns anos que uma tribo perdida na Nova Guiné tinha dose razoável de igualdade entre os sexos, e não havia entre eles o tabu do sexo com mulher menstruada. Foi um caso celebrado por ser tão raro. Mesmo os civilizados gregos e romanos achavam o sangue menstrual algo sujo, a ser evitado a todo custo. Até um autor como Plínio, o Velho (23?-79 d.C.), implicava com esse sangramento feminino. Gaius Plinius Secundus -seu nome completo - foi autor de uma obra monumental de história natural. Pode ser considerado o principal conhecedor de ciência da época romana. Mas achava que o fluxo menstrual tinha o poder de azedar o vinho e enlouquecer cachorros. Os homens modernos podem não acreditar mais nesse tipo de história, mas ainda evitam as mulheres menstruadas, tamanho foi o impacto da milenar propaganda contra vaginas sanguinolentas. "E se os homens menstruassem?", se perguntou a feminista americana Gloria Steinem. "Claramente, a menstruação se tornaria um evento masculino invejável, valioso: os homens se gabariam de quanto e por quanto tempo menstruaram", responde. "Os homens iriam convencer as mulheres de que o sexo é mais prazeroso "naquele momento do mês'", continua Steinem. Mesmo os cientistas se interessaram pouco pelo assunto. Até recentemente, a maior parte da ciência no planeta era feita por homens. Só foi em 1971 que uma jovem estudante universitária da Universidade Harvard (EUA) fez uma descoberta importante: que mulheres vivendo juntas muitas vezes menstruam ao mesmo tempo. A autora da descoberta da sincronia na menstruação, Martha McClintock, hoje na Universidade de Chicago (EUA), persistiu no tema. E este ano fez outra descoberta seminal. Junto com sua colega Kathleen Stern, ela mostrou em março passado, pela primeira vez conclusivamente, que os seres humanos produzem dois hormônios ligados à atração sexual pelo odor, os "feromônios". E, mais ainda, elas mostraram o mecanismo bioquímico pelo qual eles controlam a sincronia menstrual. Mulheres formam a grande maioria daqueles cientistas que estudam a menstruação, como se pôde verificar na reunião da Sociedade para Pesquisa do Ciclo Menstrual. A última reunião dessa sociedade científica teve um visitante do sexo masculino fora do comum: o ilustrador americano Harry Finley, criador de um original Museu da Menstruação (conhecido pela sigla Mum, em inglês). O museu pode ser visitado na Internet no site http://www.mum.org, e inclui reproduções de anúncios de absorventes e ilustrações de vários modelos deles. Apesar do seu interesse pelo tema, Finley confessa que não faz sexo com mulheres menstruadas. Para ele, "sangue era, e é", broxante. O museu fica em um subúrbio de Washington, EUA. Para visitá-lo, só com hora marcada pelo telefone (001-301-459-4450). Finley não acha que as mulheres vão aderir em massa aos implantes que eliminam a menstruação. "Eu não acho que vai ser comum. Ainda é incerto quais efeitos de longo prazo isso vai ter nas mulheres, e a maior parte delas reclama da menstruação mas provavelmente não iriam pará-la permanentemente", disse ele à Folha; "mas eu posso estar errado."



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