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SAÚDE
Pesquisa da Unifesp, inédita no país, com dependentes e ex-dependentes indica alterações leves após 1 ano de uso
Cocaína danifica o cérebro após 2 anos de uso
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local
A cocaína provoca alterações irreversíveis no cérebro depois de
dois anos de uso contínuo, em média. Em alguns casos, danos leves
já aparecem depois de 11 ou 12 meses de consumo.
A memória, a atenção, a concentração, a capacidade de raciocínio
abstrato e o sentido de espacialidade são as funções cerebrais mais
afetadas pela cocaína aspirada ou
cheirada em forma de crack.
A radiografia dos estragos causados pela droga consta de pesquisa
realizada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com 30
dependentes e ex-dependentes. Os
pesquisadores utilizaram um tomógrafo computadorizado do tipo
Spect, que fotografa o cérebro em
atividade. Os voluntários também
se submeteram a uma avaliação
neuropsicológica,
"As alterações nas funções foram
constatadas nos dois tipos de exames", diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador da
pesquisa e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência
a Dependentes), do departamento
de psiquiatria da Unifesp.
Segundo Silveira, trata-se do primeiro estudo do gênero no Brasil.
Nos EUA, há pesquisas com metodologia semelhante, mas com número bem menor de dependentes.
A equipe de pesquisadores
-que inclui Marcelo Fernandes,
Antonio Barbieri, Eliseu Labigalini
e Evelyn Doering- chegou a se
surpreender com algumas das
constatações. A primeira delas é
que o tempo de uso tem mais importância que a quantidade de
droga utilizada. Todos os que usaram cocaína por mais de 58 meses
apresentaram alterações graves,
independentemente da quantidade que usavam.
Outra surpresa: as alterações no
cérebro dos dependentes de crack
não eram maiores que aquelas encontradas em usuários de cocaína
aspirada. Igualmente, os danos
não diminuíam nos dependentes
que tinham parado de usar 30 dias
antes do exame.
Segundo Silveira, as alterações
ocorrem por dois mecanismos que
são simultâneos. Primeiro, a cocaína provoca uma constrição dos vasos sanguíneos, fazendo com que
algumas regiões do cérebro recebam menor quantidade de sangue.
Segundo, a vasoconstrição causa
microderrames. Com isso, toda a
rede de neurônio afetada deixa de
funcionar. Por serem alterações
relativamente pequenas, elas afetam especialmente as funções intelectuais e abstratas.
As constatações da pesquisa podem beneficiar os dependentes levando-os a se esforçar por interromper o uso da droga, acredita
Silveira. Tanto esse estudo como
outros realizados nos EUA mostraram que, ao deixar de usar a
droga, as alterações se estabilizam,
cessando a evolução. Assim, os danos poderiam ser contornados.
Por outro lado, os pesquisadores
acham que os resultados devem levar a novas estratégias de tratamento. Por exemplo, um dependente com dificuldade de abstração deverá receber terapia específica, pois assimilará apenas uma
parte do que está sendo dito.
Os voluntários do estudo eram
todos homens e estavam sendo
atendidos pelo Proad. Foram selecionados entre os que não faziam
uso de múltiplas drogas nem eram
dependentes de álcool.
A maioria deles usava cocaína
duas vezes por semana, consumindo em média 4,5 gramas por vez.
Um deles chegou a usar 19 gramas
numa única ocasião.
Segundo Silveira, o Proad pretende agora repetir os mesmos
exames com dependentes de álcool, maconha, Santo Daime e de
outras drogas. "Os estudos com os
dependentes de cocaína devem
continuar", diz Silveira. "Há muitas alterações que ainda precisam
ser explicadas."
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