São Paulo, sábado, 28 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

De volta aos temas do milênio

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A passagem do século e do milênio constituiu irresistível tentação para escrever a respeito, nos mais variados campos do pensamento humano, em especial durante os anos 90. Inspira uma retomada depois dos fatos e dos incidentes na conferência dos países mais ricos em Gênova (Itália).
Paul Kennedy, em obra escrita em 1992 ("Preparing for the Twenty-First Century", Fontana Press, 428 páginas), indica as tendências de mudança: explosão demográfica, revolução das comunicações e do sistema financeiro, projeção das multinacionais, revolução biotecnológica, nova revolução industrial, ambiente ameaçado. Há quase dez anos, Kennedy escrevia que as antigas rivalidades militares seriam substituídas pelas rivalidades econômicas, pela corrida tecnológica. Todavia anotou que "o velho modo de ver subsiste, a nação-Estado ainda é o centro das coisas, engajada numa luta incessante contra outras nações-Estado na busca de uma posição vantajosa" (página 127), o que Gênova pareceu confirmar.
A previsão dos profissionais do direito mostra pessimismo quanto à prática jurídica. Na crise do Estado, o nosso Poder Judiciário tem sua própria "crise de energia", sem atingir a prestação célere, eficiente, qualificada, da Justiça oficial, mas o problema não é só brasileiro. A condução geral do Estado é insuficiente para vigiar as trilhas das grandes corporações. Para os mais extremados, o Estado está falido. Além disso, Poder (com P maiúsculo) é o Executivo, trazendo os dois outros a tiracolo, sobretudo o Legislativo. Essa a avaliação pessimista.
O que fazer? A curto prazo, nenhuma solução milagrosa surgirá, porque os problemas envolvem a complexidade da vida em grupo, de ajuste complicado. A longo prazo -e o processo está em curso-, iremos absorvendo a velocíssima transformação gerada na segunda metade do século 20, adaptando-nos a condições de vida inteiramente novas. Dois exemplos da recente literatura jurídica brasileira ajudam a avançar no direito privado, que ordena a família, núcleo básico da sociedade. Caetano Lagrasta Neto, em "Direito de Família" (Malheiros, 326 páginas), narra experiências como juiz da área familiar. Examina questões, cada vez mais numerosas, como as da paternidade e de sua investigação, do insucesso matrimonial e seus efeitos. Mostra dúvidas quanto ao papel do Estado, ante juízes mal preparados, estritamente conservadores, premidos pela insensibilidade dos seus órgãos dirigentes.
No extremo oposto, há estudo intitulado "A condição jurídica da mulher no direito luso-brasileiro" (Revista dos Tribunais, 141 páginas), de Luiz Carlos de Azevedo. Vai ao ano 1000 e retorna ao terceiro milênio. Assinala a secular aceitação da união estável (que tendemos a considerar invenção moderna), contraposta à proibição do exercício feminino de qualquer profissão fora do lar até o século 19. Azevedo lembra que, no confronto das velhas e das novas gerações, aquelas tendem a reagir, com espanto e até repúdio contra as novidades surgidas, ante a diversidade de condutas e dos paradigmas de comportamento. Na heterogeneidade dos modos de ver, é natural a perplexidade geral que a avaliação provoca. Lagrasta pergunta: nesse quadro, qual o papel atribuído a cada um de nós? A resposta exigirá mais de uma geração para o esclarecimento pleno, que chegará mais depressa se cada um de nós cumprir o próprio dever, com a consciência social das reações na ação dos demais. A função coordenadora do direito, nas relações interpessoais, reclama o comportamento interativo.



Texto Anterior: Juiz-corregedor pode investigar funcionários
Próximo Texto: Trânsito: Obra bloqueia pista e retorno no Ipiranga
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.