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LETRAS JURÍDICAS
De volta aos temas do milênio
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A passagem do século e do
milênio constituiu irresistível tentação para escrever a respeito, nos mais variados campos
do pensamento humano, em especial durante os anos 90. Inspira
uma retomada depois dos fatos e
dos incidentes na conferência dos
países mais ricos em Gênova (Itália).
Paul Kennedy, em obra escrita
em 1992 ("Preparing for the
Twenty-First Century", Fontana
Press, 428 páginas), indica as tendências de mudança: explosão
demográfica, revolução das comunicações e do sistema financeiro, projeção das multinacionais, revolução biotecnológica,
nova revolução industrial, ambiente ameaçado. Há quase dez
anos, Kennedy escrevia que as
antigas rivalidades militares seriam substituídas pelas rivalidades econômicas, pela corrida tecnológica. Todavia anotou que "o
velho modo de ver subsiste, a nação-Estado ainda é o centro das
coisas, engajada numa luta incessante contra outras nações-Estado na busca de uma posição vantajosa" (página 127), o que Gênova pareceu confirmar.
A previsão dos profissionais do
direito mostra pessimismo quanto à prática jurídica. Na crise do
Estado, o nosso Poder Judiciário
tem sua própria "crise de energia", sem atingir a prestação célere, eficiente, qualificada, da Justiça oficial, mas o problema não é
só brasileiro. A condução geral do
Estado é insuficiente para vigiar
as trilhas das grandes corporações. Para os mais extremados, o
Estado está falido. Além disso,
Poder (com P maiúsculo) é o Executivo, trazendo os dois outros a
tiracolo, sobretudo o Legislativo.
Essa a avaliação pessimista.
O que fazer? A curto prazo, nenhuma solução milagrosa surgirá, porque os problemas envolvem a complexidade da vida em
grupo, de ajuste complicado. A
longo prazo -e o processo está
em curso-, iremos absorvendo a
velocíssima transformação gerada na segunda metade do século
20, adaptando-nos a condições de
vida inteiramente novas. Dois
exemplos da recente literatura jurídica brasileira ajudam a avançar no direito privado, que ordena a família, núcleo básico da sociedade. Caetano Lagrasta Neto,
em "Direito de Família" (Malheiros, 326 páginas), narra experiências como juiz da área familiar.
Examina questões, cada vez mais
numerosas, como as da paternidade e de sua investigação, do insucesso matrimonial e seus efeitos. Mostra dúvidas quanto ao
papel do Estado, ante juízes mal
preparados, estritamente conservadores, premidos pela insensibilidade dos seus órgãos dirigentes.
No extremo oposto, há estudo
intitulado "A condição jurídica
da mulher no direito luso-brasileiro" (Revista dos Tribunais, 141
páginas), de Luiz Carlos de Azevedo. Vai ao ano 1000 e retorna
ao terceiro milênio. Assinala a secular aceitação da união estável
(que tendemos a considerar invenção moderna), contraposta à
proibição do exercício feminino
de qualquer profissão fora do lar
até o século 19. Azevedo lembra
que, no confronto das velhas e das
novas gerações, aquelas tendem a
reagir, com espanto e até repúdio
contra as novidades surgidas, ante a diversidade de condutas e dos
paradigmas de comportamento.
Na heterogeneidade dos modos
de ver, é natural a perplexidade
geral que a avaliação provoca.
Lagrasta pergunta: nesse quadro,
qual o papel atribuído a cada um
de nós? A resposta exigirá mais de
uma geração para o esclarecimento pleno, que chegará mais
depressa se cada um de nós cumprir o próprio dever, com a consciência social das reações na ação
dos demais. A função coordenadora do direito, nas relações interpessoais, reclama o comportamento interativo.
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