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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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MÁFIA DOS COMBUSTÍVEIS

Deputados que investigam o setor tiveram campanhas financiadas por empresas ligadas à área
12 integrantes da CPI receberam doações

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Instalada neste ano para investigar "operações no setor de combustíveis relacionadas à sonegação dos tributos, máfia, adulteração e suposta indústria de liminares", a CPI dos Combustíveis tem entre os seus integrantes 12 deputados que receberam doações de campanha de empresas relacionadas a essa área da economia.
Desses 12 deputados, oito são titulares na CPI. Esses oito representam 33% dos 24 titulares. Os suplentes participam da comissão, mas não têm direito a voto.
Os casos mais evidentes são os dos deputados João Caldas (PL-AL) e Rose de Freitas (PSDB-ES). Ambos receberam doações diretamente de usineiros de álcool.
João Caldas declarou à Justiça Eleitoral que toda a sua campanha foi patrocinada por empresas do setor. A maior parte, R$ 941,5 mil, veio da Usina Caeté, do Grupo Carlos Lyra.
"Declaro isso em minha prestação de contas. De forma nenhuma há incompatibilidade entre essa doação e a minha participação na CPI dos Combustíveis. O Grupo Carlos Lyra é sério", afirma o deputado João Caldas.

Amizade
Rose de Freitas disse ter amizade há 22 anos com o usineiro Márcio José Pavan, de Araçatuba (530 km a noroeste de São Paulo). Ela recebeu R$ 272 mil (65,35% do total gasto em sua campanha) de Pavan. "Ele é meu amigo. Não considero incompatível. Só se eu não tivesse tomado nenhuma atitude para que a CPI investigasse o setor de álcool", declara a congressista. Rose propôs a criação de uma subcomissão para investigar o setor de álcool, mas a sua idéia não foi adotada.
O presidente da CPI, deputado Carlos Santana (PT-RJ), recebeu R$ 59,9 mil do estaleiro Enavi Reparos Navais Ltda. O valor equivale a 37,16% do total das doações de Santana. Ocorre que um dos sócios do Enavi é também acionista da Petro Amazon, uma empresa investigada pela Assembléia Legislativa de Rondônia.
"Não recebi doações de campanha do setor. Quando se recebe uma doação de uma empresa não se tem acesso à declaração de renda de quem está doando", explicou Santana à Folha.
Há outros casos de deputados que receberam doações mais modestas, diretamente de postos de gasolina. É o caso de André Luiz (PMDB-RJ), que declarou R$ 16 mil recebidos de seis postos de combustíveis. O montante representou 3,44% de seu financiamento eleitoral.
"São empresários da minha região, zona oeste do Rio. Creio que não há incompatibilidade. Por que teria de haver? Aliás, a gasolina já chega adulterada ao posto", disse o deputado André Luiz.
Edson Andrino (PMDB-SC) declarou que R$ 12,75 mil (16,36% de suas doações) vieram do Posto Lagoa. Ele é dono do posto.
Eis a explicação de Andrino: "Há 12 anos eu aluguei o posto para a Texaco. Não trabalho mais com gasolina. Só alugo o prédio, mas uso ainda a mesma razão social do posto. No fundo, eu fiz a doação para mim mesmo".
Eliseu Padilha (PMDB-RS), ex-ministro dos Transportes no governo FHC, recebeu R$ 100 mil da OPP Química, uma empresa petroquímica que também fornece insumos para o setor de combustíveis. O ex-ministro diz não ter visto "até hoje nenhuma incompatibilidade", pois "nem a OPP nem sua atividade figurava como suspeita ou passível de investigação nas motivações para a instalação da CPI".
Gervásio Silva (PFL-SC) recebeu R$ 29 mil de empresas como a Companhia de Petróleo Ypiranga e postos de gasolina. Como está tudo declarado em sua prestação de contas, diz não considerar haver conflito de interesses para ele na CPI. "Minha atuação é transparente", afirma.
João Magno (PT-MG) teve uma pequena doação de R$ 4.160,00 (2,51% do total que arrecadou) do Posto de Serviço Líder. Para ele, não há "qualquer incompatibilidade" com sua função na CPI.
José Carlos Araújo (PFL-BA) está numa situação semelhante à de Eliseu Padilha. Recebeu doações de R$ 25 mil da empresa OPP, do setor petroquímico, o que representou 14,02% do total de seu financiamento de campanha. O deputado avalia que a OPP "não tem nada a ver" com combustíveis. E completa: "Produz resinas, e nós investigamos os postos de combustíveis e as distribuidoras".
Marcus Vicente (PTB-ES) tem explicação oposta à de Araújo: "Não estamos fiscalizando postos, mas sim a máfia dos combustíveis, a adulteração e a indústria de liminares que arrombam os cofres públicos". Ele diz isso porque nas suas contas de campanha aparecem R$ 3.500 doados pelo Posto Spinasse Ltda.
Todos os deputados citados nesta reportagem receberam perguntas por escrito da Folha na última quarta-feira. No dia seguinte, o jornal telefonou para os gabinetes e detalhou mais o tema.

Sem resposta
Dois congressistas não responderam ao jornal até o final da tarde de sexta-feira: Luciano Zica (PT-SP), corregedor da Câmara, que recebeu R$ 5.000 da FBA-Frano Brasileiro S.A. de Açúcar e de Álcool, e Helenildo Ribeiro (PSDB-AL), em cujas contas de campanha aparece uma doação da R$ 40 mil da empresa petroquímica Trikem.
Outros dois deputados -Daniel Almeida (PC do B-BA) e Paulo Rubem Santiago (PT-PE)- explicaram que receberam doações irrisórias (R$ 100 e R$ 962,95, respectivamente).
Se Daniel Almeida e Paulo Rubem também fossem contabilizados no grupo dos outros congressistas citados neste texto, subiria para 14 o número de deputados da CPI dos Combustíveis que recebeu algum tipo de doação relacionada ao setor.
Do ponto de vista formal, a direção da Câmara não pode tomar nenhuma atitude em relação a deputados que participam de investigação de setores dos quais receberam doações de campanha.
A única medida possível é o próprio congressista se declarar impedido de ocupar a função. Nenhum dos ouvidos pela Folha disse considerar necessário tomar essa decisão.

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