São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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Padre critica prolongamento da vida com sofrimento

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o estado dos pacientes começava a se agravar e os médicos já não encontravam remédios nem equipamentos para aliviar o sofrimento deles, o jeito era apelar para o capelão do hospital: "Manda chamar o padre Leo".
De tanto atender a esses chamados, nos 12 anos (de 1982 a 1993) em que trabalhou como capelão do Hospital das Clínicas, em São Paulo, o padre camiliano Leo Pessini, 46, catarinense de Joaçaba, aprendeu que "o homem, assim como foi ajudado para nascer, precisa ser ajudado também na hora de partir, para morrer com dignidade".
Muitas vezes, ele foi chamado durante a longa e lenta agonia do presidente Tancredo Neves, em 1985, mas um caso de que sempre lembra ao falar do mundo das UTIs e dos limites da vida é o da senhora A., idade aproximada de 45 anos, que aguardava um transplante de coração.
Antes de uma das cirurgias a que foi submetida, ela implorou ao capelão: "Se for para ficar vegetando, vivendo somente de aparelhos, por favor, não deixe que isso aconteça".
Padre Leo prometeu o que podia: "Eu vou ficar com você. Vou te acompanhar". E transmitiu à médica responsável o pedido da paciente. Mas, numa troca de plantão, outra equipe ressuscitou a senhora A. com aparelhos depois de uma parada cardíaca. Ficou mais 12 dias vivendo como não queria.
"Não se deixa a pessoa morrer em paz quando chega o tempo de se despedir. Acaba-se impondo ao paciente uma verdadeira tortura terapêutica", diz o padre Leo, que acaba de defender tese de doutorado em Teologia Moral sobre o polêmico tema dos limites da vida.

Distanásia
A tese foi transformada no livro "Distanásia - Até quando prolongar a vida?", que será lançado no final de novembro pela Editora do Centro Universitário São Camilo e Edições Loyola.
Ainda pouco conhecido fora do meio acadêmico, o termo distanásia (prolongamento da agonia, sofrimento e adiamento da morte) é antônimo de eutanásia (abreviação da vida).
Entre os dois extremos, Leo Pessini defende a ortotanásia, "a morte no tempo certo, sem abreviar nem prolongar artificialmente o tempo de vida".
Ao mesmo tempo em que condena a distanásia praticada especialmente nas UTIs, por ele chamadas de "modernas catedrais do sofrimento humano", padre Leo defende a medicina paliativa desenvolvida nos hospices com o objetivo central de evitar a dor e o sofrimento dos pacientes.
A palavra paliativo vem do vocábulo latino pallium, que quer dizer manta ou coberta, e hospice, palavra que deriva de hospedaria, é utilizada pela Organização Mundial de Saúde para designar os locais destinados a aliviar a dor e dar conforto aos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo.
"A medicina paliativa afirma a vida e reconhece que o morrer é um processo normal do viver. Não busca nem acelerar nem adiar a morte. Não está obcecada pela tirania da cura e se opõe à eutanásia", afirma o padre Leo.
Diretor superintendente da União Social Camiliana, padre Leo pertence a uma ordem da Igreja Católica tradicionalmente ligada à saúde, "desde os tempos em que a medicina não curava, a morte sempre vencia".
A missão dos camilianos era acolher os enfermos e prestar conforto espiritual, tanto que até hoje são conhecidos como os "padres da boa morte".
"As atividades desenvolvidas em um hospice fazem parte do próprio carisma camiliano", afirma-se nas justificativas do Projeto de Implantação de Centro de Medicina Paliativa "Hospice", preparado pelo Conselho Administrativo dos Hospitais Camilianos de São Paulo.
O projeto do hospice deverá ser implantado no próximo ano e será o primeiro dedicado exclusivamente à medicina paliativa na maior cidade do país. Mais do que um prédio, diz padre Leo, hospice representa uma filosofia "em que é possível curar às vezes, aliviar muito frequentemente e confortar sempre".
No momento, estuda-se a implantação do hospice num prédio pertencente à Congregação Camiliana, no Jaçanã, zona norte da cidade, que atualmente é utilizada como casa de encontros e retiros.
Se for utilizado todo o prédio, será possível acomodar até 100 pacientes com todas as áreas de apoio necessárias.
"O local deve oferecer um ambiente o mais silencioso e tranquilo possível, tanto para o paciente como para os familiares", prevê o projeto coordenado pelo diretor médico Wilson Pollara, 52, livre docente da Faculdade de Medicina da USP.
Além de médicos e enfermeiros, deverão fazer parte da equipe de apoio assistente social, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente religioso com visão ecumênica.
Com sua experiência de cirurgião do aparelho digestivo, o diretor médico afirma que, em termos humanos, o que vem ocorrendo atualmente em nossos hospitais é uma aberração.
"Doentes sem nenhuma possibilidade de cura são privados do convívio de seus familiares, internados em unidades de tratamento intensivo, onde são tratados com tubos, drenos e injeções, sem nenhuma possibilidade de recuperação."
Por isso, um dos objetivos dos hospices é oferecer um ambiente físico mais parecido com o de uma casa de família do que com um hospital. Além de tudo, sai muito mais barato.


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