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Padre critica prolongamento da vida com sofrimento
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o estado dos pacientes
começava a se agravar e os médicos já não encontravam remédios
nem equipamentos para aliviar o
sofrimento deles, o jeito era apelar
para o capelão do hospital: "Manda chamar o padre Leo".
De tanto atender a esses chamados, nos 12 anos (de 1982 a 1993)
em que trabalhou como capelão
do Hospital das Clínicas, em São
Paulo, o padre camiliano Leo Pessini, 46, catarinense de Joaçaba,
aprendeu que "o homem, assim
como foi ajudado para nascer,
precisa ser ajudado também na
hora de partir, para morrer com
dignidade".
Muitas vezes, ele foi chamado
durante a longa e lenta agonia do
presidente Tancredo Neves, em
1985, mas um caso de que sempre
lembra ao falar do mundo das
UTIs e dos limites da vida é o da
senhora A., idade aproximada de
45 anos, que aguardava um transplante de coração.
Antes de uma das cirurgias a
que foi submetida, ela implorou
ao capelão: "Se for para ficar vegetando, vivendo somente de aparelhos, por favor, não deixe que isso
aconteça".
Padre Leo prometeu o que podia: "Eu vou ficar com você. Vou
te acompanhar". E transmitiu à
médica responsável o pedido da
paciente. Mas, numa troca de
plantão, outra equipe ressuscitou
a senhora A. com aparelhos depois de uma parada cardíaca. Ficou mais 12 dias vivendo como
não queria.
"Não se deixa a pessoa morrer
em paz quando chega o tempo de
se despedir. Acaba-se impondo
ao paciente uma verdadeira tortura terapêutica", diz o padre Leo,
que acaba de defender tese de
doutorado em Teologia Moral sobre o polêmico tema dos limites
da vida.
Distanásia
A tese foi transformada no livro
"Distanásia - Até quando prolongar a vida?", que será lançado no
final de novembro pela Editora do
Centro Universitário São Camilo
e Edições Loyola.
Ainda pouco conhecido fora do
meio acadêmico, o termo distanásia (prolongamento da agonia,
sofrimento e adiamento da morte) é antônimo de eutanásia
(abreviação da vida).
Entre os dois extremos, Leo Pessini defende a ortotanásia, "a
morte no tempo certo, sem abreviar nem prolongar artificialmente o tempo de vida".
Ao mesmo tempo em que condena a distanásia praticada especialmente nas UTIs, por ele chamadas de "modernas catedrais do
sofrimento humano", padre Leo
defende a medicina paliativa desenvolvida nos hospices com o
objetivo central de evitar a dor e o
sofrimento dos pacientes.
A palavra paliativo vem do vocábulo latino pallium, que quer
dizer manta ou coberta, e hospice,
palavra que deriva de hospedaria,
é utilizada pela Organização
Mundial de Saúde para designar
os locais destinados a aliviar a dor
e dar conforto aos pacientes cuja
doença não responde mais ao tratamento curativo.
"A medicina paliativa afirma a
vida e reconhece que o morrer é
um processo normal do viver.
Não busca nem acelerar nem
adiar a morte. Não está obcecada
pela tirania da cura e se opõe à eutanásia", afirma o padre Leo.
Diretor superintendente da
União Social Camiliana, padre
Leo pertence a uma ordem da
Igreja Católica tradicionalmente
ligada à saúde, "desde os tempos
em que a medicina não curava, a
morte sempre vencia".
A missão dos camilianos era
acolher os enfermos e prestar
conforto espiritual, tanto que até
hoje são conhecidos como os "padres da boa morte".
"As atividades desenvolvidas
em um hospice fazem parte do
próprio carisma camiliano", afirma-se nas justificativas do Projeto
de Implantação de Centro de Medicina Paliativa "Hospice", preparado pelo Conselho Administrativo dos Hospitais Camilianos de
São Paulo.
O projeto do hospice deverá ser
implantado no próximo ano e será o primeiro dedicado exclusivamente à medicina paliativa na
maior cidade do país. Mais do que
um prédio, diz padre Leo, hospice
representa uma filosofia "em que
é possível curar às vezes, aliviar
muito frequentemente e confortar sempre".
No momento, estuda-se a implantação do hospice num prédio
pertencente à Congregação Camiliana, no Jaçanã, zona norte da cidade, que atualmente é utilizada
como casa de encontros e retiros.
Se for utilizado todo o prédio,
será possível acomodar até 100
pacientes com todas as áreas de
apoio necessárias.
"O local deve oferecer um ambiente o mais silencioso e tranquilo possível, tanto para o paciente
como para os familiares", prevê o
projeto coordenado pelo diretor
médico Wilson Pollara, 52, livre
docente da Faculdade de Medicina da USP.
Além de médicos e enfermeiros,
deverão fazer parte da equipe de
apoio assistente social, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente religioso
com visão ecumênica.
Com sua experiência de cirurgião do aparelho digestivo, o diretor médico afirma que, em termos
humanos, o que vem ocorrendo
atualmente em nossos hospitais é
uma aberração.
"Doentes sem nenhuma possibilidade de cura são privados do
convívio de seus familiares, internados em unidades de tratamento intensivo, onde são tratados
com tubos, drenos e injeções, sem
nenhuma possibilidade de recuperação."
Por isso, um dos objetivos dos
hospices é oferecer um ambiente
físico mais parecido com o de
uma casa de família do que com
um hospital. Além de tudo, sai
muito mais barato.
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