|
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Fernando Henrique tem alguma coisa de PT
Em clima de despedidas e
eleições, o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a idéia de conceder mais uma
complementação de renda, desta
vez para pessoas de idades entre
16 e 66 anos e atrelada a cursos de
qualificação profissional.
O alvo do benefício são pessoas
que vivem em famílias que não
têm acesso nem à bolsa-alimentação, do Ministério da Saúde, nem
à bolsa-escola, do Ministério da
Educação, nem ao Peti (Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil), da Secretaria de Assistência Social.
Com mais essa bolsa seriam
atendidos indigentes de todas as
faixas etárias; para quem já passou dos 66 anos, ainda que nunca
tenha contribuído para a previdência, existe a garantia de um
salário mínimo.
Somando-se os anúncios oficiais das metas, estima-se que
aquelas quatro bolsas venham a
ajudar diretamente pelo menos
13 milhões de brasileiros, sem
contar o efeito que provocarão na
família. Esses programas constituem um considerável estímulo
financeiro para que as crianças
não trabalhem, as mães cuidem
da saúde dos filhos, os adultos se
preparem para o mercado de trabalho e os alunos permaneçam
na escola.
Mesmo com valores modestos
-os R$ 15 por criança fornecidos
pelo bolsa-escola, por exemplo-,
os programas de renda mínima
jogaram recursos, pela primeira
vez com tamanha amplitude, diretamente nas mãos dos mais deserdados, reduzindo o desperdício
decorrente da intermediação.
A força dos projetos não está no
dinheiro em si, mas na contrapartida de quem o recebe, vinculada
à saúde e à educação; daí sua importância para o aumento da
produtividade e para a diminuição da desigualdade de oportunidades.
Com o passar dos anos, vão surgir toneladas de estudos e estatísticas que revelarão o alcance dessas medidas -o quanto terão sido capazes de gerar cidadãos
mais preparados e uma distribuição de renda menos perversa.
A verdade simples é que essa
onda de bolsas lançadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e, agora, largamente usadas
na propaganda eleitoral é resultado de um movimento do PT.
Difícil será encontrar alguém
com um mínimo de honestidade
intelectual que não reconheça essa obviedade histórica.
Como marketing eleitoral e verdade só se encontram, na maioria
das vezes, por mera coincidência,
o PSDB, numa propaganda da semana passada, apresentou o PT
como um bando de indivíduos
que só reclamam, que nada propõem, que não vêem nada de positivo, enfim, que vivem carrancudos -a imagem de Lula que o
publicitário baiano Duda Mendonça vai tentar desconstruir.
Ex-discípulo de Duda (e também baiano), Nizan Guanaes encarnou o PT na figura do cunhado inconveniente -que abre a
geladeira, toma todas as cervejas
e ainda reclama de que não estavam muito geladas ou que, sentado em frente à TV, se queixa do
tamanho da tela e afirma que o
sofá é ruim.
O fecho do narrador: "Olhe,
meu amigo, seu cunhado pode até
não saber, mas, com certeza, no
fundo, no fundo, alguma coisa ele
tem do PT".
Vende-se o PT como um partido
do contra, que torce pelo pior ou
que se aproveita dele.
Na linha do marketing eleitoral,
Lula acusa o governo de não fazer
nada para reduzir a pobreza -e
de nem sequer reconhecer sua influência nos programas de renda
mínima. E, ao mesmo tempo, acena com um plano contra a fome.
Em essência, mais uma bolsa para a compra de alimentos.
O projeto se apresenta inspirado no "selo da alimentação", que,
criado nos Estados Unidos, teve,
no Brasil, várias versões em tíquetes de produtos e cestas básicas.
Muitos deles, entretanto, acabaram ou foram reduzidos devido a desperdícios e à roubalheira
-fruto da falta de fiscalização
combinada com o excesso de esperteza. Da mesma maneira os
bilhões gastos com as atuais ações
de renda mínima, em suas versões estaduais e municipais, correm o risco de sair pelo ralo por
incompetência de gestão. Várias
entidades diferentes administram
recursos para o mesmo fim; uma
empresa privada que assim funcionasse quebraria.
Tradicionalmente, no Brasil, o
que se vê são planos de assistência
social, mesmo os mais bem-intencionados, gastarem mais do que
deveriam em gerência.
Se é para haver um debate sério
-e não a troca de imagens estereotipadas criadas por publicitários que fazem de candidatos simples produtos-, o eleitor sairia
ganhando se fossem apresentados
uns poucos números, ou seja,
quanto se deve gastar a mais nos
programas de renda mínima (e
como se devem gerenciar os recursos de modo que eles se complementem nas esferas federal, estadual e municipal) para que, em
quatro anos, se acabe com a fome.
Claro que isso é chato, aborrecido, não rende votos, está mais para artigos técnicos. Talvez estejamos mesmo condenados a fazer
da eleição um circo de mídia, no
qual o eleitor, sempre iludido, faça o papel daquele personagem
com o nariz vermelho.
É como se o eleitor tivesse sempre alguma coisa de palhaço.
PS - Técnicos apresentam uma
solução para reduzir desperdícios: um sistema unificado de informações que contenha os dados
de todas as famílias beneficiadas
com os programas federal, estaduais e municipais de renda mínima. Um mesmo cartão serviria
para todos esses programas. É claro que seria preciso convencer os
políticos a repartir espaço. Talvez
seja mais fácil acabar antes com a
fome.
E-mail: gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Genética: Encontro explica doença Índice
|