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PASQUALE CIPRO NETO
Gradação ascendente
Neste espaço, já analisei
diversas questões de alguns
dos mais prestigiados vestibulares
do país. Em alguns casos, a resolução dessas questões exige o domínio da nomenclatura gramatical; em outros, avalia-se essencialmente a capacidade do candidato de operar com os mecanismos da língua.
Há algum tempo, vimos uma
questão da Fuvest que se referia
ao comentário de um jornal acerca do filme "Aluga-se Moças",
produzido em 1981. "O título traz
um dos maiores erros ortográficos
já vistos no cinema brasileiro",
afirmava o articulista. A pergunta da banca foi a seguinte: "O comentário feito pelo jornal é justificável sob o ponto de vista gramatical? Por quê?".
O que queriam os examinadores? Que o candidato demonstrasse (não só, mas também) algum
conhecimento de nomenclatura.
Em "Aluga-se Moças", não há
problemas ortográficos. O desvio
é de concordância (a construção
padrão é "Alugam-se moças"), ou
seja, o problema é de natureza
sintática, e não ortográfica. Moral da história: a resposta é "não".
Na última prova (da primeira
fase), a banca formulou uma pergunta com o mesmo tipo de abordagem. Vamos à questão (que
tem por base um fragmento de
"Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis):
"A enumeração de substantivos
expressa gradação ascendente
em: a) "menino mais gracioso, inventivo e travesso"; b) "trazia-o
amimado, asseado, enfeitado"; c)
"gazear a escola, ir caçar ninhos
de pássaros, ou perseguir lagartixas"; d) "papel de rei, ministro,
general"; e) "tinha garbo (...), e
gravidade, certa magnificência".
O "Aurélio" define "clímax" (sinônimo de "gradação") como
"apresentação duma seqüência
de idéias em andamento crescente ou decrescente". As seqüências
"gracioso", inventivo e travesso"
(da alternativa "a") e "amimado,
asseado, enfeitado" (da alternativa "b") constituem exemplos de
gradação ascendente?
A discussão se torna inútil
quando se percebe que nos dois
casos ocorrem seqüências de adjetivos. Não custa lembrar: o enunciado fala em substantivos, o que
anula de pronto as alternativas
"a", "b" e "c" (nesta, "gazear",
"ir" e "perseguir", que não constituem gradação, são verbos). Na
alternativa "d", existem substantivos, mas quem foi que disse que
ministro é superior a rei, e que general é superior a ministro?
A resposta está na alternativa
"e". Com os substantivos abstratos "garbo", "gravidade" e "magnificência", o narrador descreve a
superioridade de Quincas Borba,
protagonista da obra-prima de
Machado de Assis.
Pois é aí que entra um segundo
aspecto da questão: o vocabulário
dos candidatos, o conhecimento
do significado dos três substantivos citados. Se não se sabe que
"garbo" é sinônimo de "primor",
"elegância", "distinção", que
"gravidade" significa "austeridade", "sisudez", "circunspecção" e
que "magnificência" equivale a
"grandiosidade", "pompa", "suntuosidade", fica difícil perceber a
ocorrência da gradação e de seu
caráter ascendente.
Mais uma vez se vê que a leitura
atenta do enunciado das questões
é fundamental, mas não basta.
Sem um mínimo de vocabulário
(muitas vezes próximo do erudito), é quase impossível responder
a muitas das questões desse e de
outros vestibulares. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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