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REVOLTA E PERPLEXIDADE
Idosa levou tiro de fuzil durante confronto entre policiais e traficantes na favela do Vidigal, no Rio
Costureira de 72 anos morta em "guerra" no morro é enterrada
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Nair Santos de Oliveira Costa viveu todos os seus 72 anos no Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro.
Nasceu quando o morro ainda era
pouco habitado, a falta de saneamento e princípios básicos de urbanização sendo compensada pelo cotidiano de paz. Na noite de
terça-feira, ela morreu atingida na
cabeça por uma bala de fuzil, a
cem metros da casa dela. Parentes
culpam a Polícia Militar.
Soldados tentaram entrar no
morro, que se localiza entre os
bairros nobres do Leblon e de São
Conrado, por volta das 19h. Eles
estariam reagindo a tiros disparados por traficantes na direção de
uma patrulha.
Segundo a família de Nair, os
policiais subiram a avenida Presidente João Goulart atirando, num
momento em que muitas pessoas
voltavam do trabalho.
A costureira e dona-de-casa,
que tinha saído para comprar
pão, foi alvejada na hora em que
chegava à padaria.
"Nós recolhemos os projéteis e
temos testemunhas, que vão depor. A PM tirou a vida de uma
pessoa trabalhadora", disse Marcelo Pereira, 31, genro de Nair e
um dos mais revoltados no enterro, que atraiu ontem cerca de 300
pessoas ao cemitério São João Batista, em Botafogo (zona sul).
A Folha não conseguiu falar
com o comandante do 23º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Renato Fialho.
Nair tinha três filhos e quatro
netos. Seu quarto filho, Vágner,
morreu há três anos, com 27, de
leucemia, e era portador da síndrome de Down. Ontem, o caminhoneiro Vítor Costa, 70, teve que
autorizar a retirada dos restos do
filho morto para dar lugar ao corpo de sua mulher.
Costa, assim como suas filhas
Denise, 39, e Rosemary, 38, precisaram tomar calmantes durante o
enterro de Nair e mal conseguiam
falar. Denise, aos prantos, gritava
debruçada sobre o caixão: "Por
que fizeram isso com minha mãe?
Uma mulher boa!".
O sentimento de revolta dos
amigos e parentes se misturava ao
de incompreensão. Mulher que
sempre trabalhou muito para
criar os filhos, segundo os relatos,
Nair morreu por causa de uma
guerra que não existiu durante a
maior parte de sua vida passada
no Vidigal: policiais contra traficantes de drogas.
"O Vidigal era um lugar muito
bom, mas a violência está demais.
A gente só não sai porque não tem
condições", afirmou uma mulher,
que não quis se identificar, moradora há 50 anos no morro.
A família Oliveira Costa deve
deixar de vez o lugar em que vive
há mais de 72 anos. A mãe da costureira -ainda viva e presente no
enterro- já morava havia alguns
anos no morro do Vidigal quando
nasceu Nair.
"Vou tentar tirar meu pai de lá",
disse, chorando muito, Vítor, 40,
o primogênito de Nair. Como os
filhos já foram para outros bairros, o casal morava no Vidigal
apenas com o mais velho dos quatro netos, também Vítor, 15.
"Ele foi morar com a avó depois
da morte do Vágner, porque ela
ficou muito triste. Mas agora vai
ficar comigo, na Freguesia [zona
oeste]. A última coisa que eu quero é que ele cresça no Vidigal",
afirmou Rosemary da Silva, mãe
do adolescente e ex-nora de Nair.
Como homenagem a Nair e à
sua filha, a professora Rosemary,
a Stella Maris, tradicional escola
para alunos de classe média na
parte baixa do Vidigal, não funcionou ontem à tarde. Mas a condenação dos culpados é a homenagem maior que os parentes desejam dar a Nair. "Queremos justiça", afirmou ontem o filho Vítor.
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