São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Insegurança e falta de debate

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A nova portaria do comando da Polícia Militar de São Paulo coloca em choque duas questões que deveriam estar em sintonia: a segurança da população e a segurança do próprio policial.
Se esses dois itens estão de lados opostos, é porque existe algo muito errado. No centro de tudo isso, está o Estado, que deveria zelar pela segurança dos dois grupos. Mais uma vez, os policiais e a população foram surpreendidos com o anúncio.
Não houve debate. Entidades representativas dos policiais desconfiaram do que iria acontecer. Ouviram boatos, mas ninguém do governo confirmou. A repercussão entre praças e soldados foi a pior possível.
Dos prós e contras, os argumentos dos dois lados não são desprezíveis. A arma da corporação é a mesma que o PM usa ao fazer "bicos" nos horários de folga. Não é apenas para se proteger e proteger a sua família. O PM também teme perder o instrumento de seu trabalho extra-oficial.
Mas, por outro lado, o uso da arma no "bico" aumenta o risco de ela cair em mãos erradas ou de ser utilizada pelo próprio policial de forma inadequada ou criminosa.
Em uma ação policial, a arma empunhada pelo PM deveria ser apenas mais um instrumento de uma operação coordenada. No "bico", o policial está sozinho e isso pode pesar na hora de atirar de imediato ou de pensar duas vezes.
Mas a questão da segurança pessoal de quem foi treinado para garantir a segurança da população não pode ser desprezada. Ações como reagir a um assalto a ônibus no caminho de casa são valorizadas pela corporação. Entram como louvor na folha do policial militar. Se não agir, pode ser acusado de prevaricação. O Estado incentiva o policial 24 horas.
O medo do PM de morar na periferia, próximo de áreas mais violentas, também não é encenação. Relatos de policiais que tiram a farda para não se tornarem alvos potenciais são freqüentes. Sem arma, podem ser alvos ainda mais fáceis.
Apesar de ilegal, o bico passou a ser tolerado. E ninguém discute uma alternativa aos salários baixos da corporação. Enquanto isso, comerciantes, moradores e policiais fazem acordos de segurança sem nenhuma fiscalização.
A nova portaria pode seguir o mesmo caminho. Sem discussão, podem surgir novos meios para burlar a lei. Se o bico é tolerado, outros "jeitinhos" administrativos podem ser adotados, sem resolver o problema.


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