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DANUZA LEÃO
As dependências
Será que vício se escolhe? Se
a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde
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TODOS OS QUE dependem de alguma coisa para viver são dependentes, certo?
Dependente é uma palavra criada
para não usar a outra, mal vista: viciados. Os que se acham superiores,
por fazer parte da turma saudável
que tem horror ao cigarro e às bebidas, acham que não têm nenhum vício; será?
Alguns têm o hábito de acordar,
abrir a geladeira e encontrar, prontinho, seu suco de cenoura, açaí e mel,
que a empregada preparou. Mas na
segunda-feira ou ela chega atrasada
ou não chega, a síndrome das segundas. Nessa hora, o que fazem esses,
que não têm vício nenhum? Descem
e rumam desatinados para uma loja
de sucos, e ai de quem ousar achar
qualquer semelhança entre eles e
aquele verme viciado em nicotina
que sai de madrugada procurando
desesperadamente um botequim
para comprar um maço de cigarros.
Nada a ver, claro.
Tomar vários cafezinhos por dia, o
chope na saída do trabalho e três caipirinhas antes da sagrada feijoada
de sábado são considerados vícios,
porque fazem mal à saúde. Mas existem coisas saudabilíssimas e tão viciantes quanto qualquer droga considerada pesada.
Correr de manhã, escovar os dentes depois das refeições, chegar em
casa e ir direto para o chuveiro, entrar no carro e ligar o rádio, por acaso não são hábitos, isto é, vícios? Claro que são, e tem o maior de todos: a
televisão. Existe gente que chega em
casa e a primeira coisa que faz é ligar
a TV; as teclas do controle remoto já
estão gastas, mas como achar forças
para desligar o aparelho, mesmo na
hora de dormir? Para isso existe a tecla timer, para a televisão desligar
sozinha em 90 minutos. Isso é que é
amor -e vício.
Existem dois tipos de homem: os
normais e aqueles que vivem falando que não podem passar um dia
sem transar. Como o dia só tem 24
horas, e todos têm que dormir, trabalhar, almoçar, jantar, ler os jornais
e ver televisão, fica apenas uma dúvida: o vício é a transa ou falar da
transa?
Comentar sobre a riqueza das pessoas -não importa de quem- também é uma mania. Há quem delire
quando fala do gângster que acendia
charutos com uma nota de US$ 100
ou do sultão de Brunei, que tem torneiras de ouro nos seus banheiros.
Outros só ficam felizes quando falam de tristezas e tragédias. Uma
boa doença é um prato saboroso e
inesgotável, e é com volúpia que
contam o resultado do exame de
sangue, o seu e o dos outros; e adoram dar palpites, sempre achando
que a coisa pode ser bem mais grave
do que parece.
Existem os viciados em psicanálise, que estão contando há 30 anos
suas histórias para o analista -pobre dele- e os que têm tudo para serem felizes mas passam o tempo
procurando e encontrando razões
para se queixar da vida.
Todos temos nossos vícios; os que
fazem mal à saúde -e nesses os amigos, a família e até o governo se metem- e os que são altamente considerados pela sociedade, como trabalhar à noite e nos fins de semana ou
se sacrificar por alguma causa. Esses
são louvados em prosa e verso.
Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde, e usada em altas doses é capaz até de mudar o mundo, mas cuidado: pessoas alegres não costumam ser levadas a sério. Por isso,
quando estiver perto dos sérios de
carteirinha, é prudente nem sorrir, e
mostrar-se extremamente preocupado com a situação em geral.
Porque os sérios só acreditam em
quem faz cara de sério, o que também é um vício -e dos piores.
danuza.leao@uol.com.br
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