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OPINIÃO
Estatísticas não são programa de governo
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Se é o caso de seguir os "conselhos" dados pelo economista
Steven Levitt e o jornalista Stephen J. Dubner, autores do livro "Freakonomics", então pais
que têm piscina em casa deveriam aterrá-las e comprar uma
arma. É que é mais provável
que uma criança se acidente no
primeiro lar do que no segundo, afirmam os autores.
Estatísticas são estatísticas,
não têm moral, coração nem
afiliação política. "Freakonomics" não foi batizado com esse
título por acaso. "Freak" quer
dizer estranho, bizarro, em inglês, não norma, regra. O livro
foi feito para mostrar como é
possível arrancar histórias curiosas de números complexos,
se você escolher muito cuidadosamente tanto as primeiras
quanto os segundos.
Sim, está lá, baseado em estatísticas: a legalização do aborto
em 1973 coincidiu com o início
da queda na criminalidade dos
Estados Unidos duas décadas
depois. "Coincidiu" não é igual
a "provocou", necessariamente. Vinte anos depois da decisão
da Suprema Corte, Nova York
sofreu a maior nevasca de sua
história, e o seriado cômico
"Friends" estreou na televisão.
Nenhum dos dois eventos foi
causado pela ausência de filhos
indesejados nos bairros pobres
e de maioria negra de Chicago,
aparentemente. Quando entrevistei Levitt em 2005, o economista já havia alertado que a intenção de seu livro era contar
bons casos, transformar teses
impenetráveis em artigos palatáveis para o leitor comum
-não fazer programa de governo para brasileiros.
(Na entrevista, Levitt daria
uma resposta que ecoaria involuntariamente na fala da semana passada do governador Sérgio Cabral: "Eu adoraria fazer
uma pesquisa sobre o crime em
algumas áreas do Rio de Janeiro em que a presença da polícia
é inexistente, mas nunca consegui encontrar dados suficientes para trabalhar".)
No caso do aborto legal =
queda da criminalidade, críticos da ilação apontam duas falhas. A primeira é não levar em
conta o ciclo virtuoso de crescimento econômico que começou mais ou menos na mesma
época e que garantiu o sucesso
dos dois mandatos de Bill Clinton -há até quem diga que o
presidente democrata deu sorte, pois pouco importava quem
estava à frente do país, a economia cresceria do mesmo jeito,
como continua fazendo com
George W. Bush também há
dois mandatos.
A segunda é não levar em
conta a política de tolerância
zero implantada na mesma
época pela polícia de grandes
cidades como Nova York, o que
teria ajudado a reduzir o índice
de criminalidade e colocado o
resto do país num "efeito cascata" que dura até hoje. Importante dizer que as três teses
-legalização do aborto, crescimento econômico e tolerância
zero- não são excludentes; são
apenas isso, teses.
Cabral não é o primeiro a
derrapar em números escorregadios. O problema de levar estatísticas demasiadamente a
sério é tão comum que rendeu
frases memoráveis -"O ser humano tem em média um seio e
um testículo" é uma delas; "Estatísticas são como biquíni: o
que revelam é sugestivo, mas o
que escondem é vital" é outra.
A melhor foi dita pelo escritor escocês Andrew Lang
(1844-1912): "Ele usa estatística como um homem bêbado
usa um poste -para apoio, não
para iluminação".
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