São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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OPINIÃO

Estatísticas não são programa de governo

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Se é o caso de seguir os "conselhos" dados pelo economista Steven Levitt e o jornalista Stephen J. Dubner, autores do livro "Freakonomics", então pais que têm piscina em casa deveriam aterrá-las e comprar uma arma. É que é mais provável que uma criança se acidente no primeiro lar do que no segundo, afirmam os autores.
Estatísticas são estatísticas, não têm moral, coração nem afiliação política. "Freakonomics" não foi batizado com esse título por acaso. "Freak" quer dizer estranho, bizarro, em inglês, não norma, regra. O livro foi feito para mostrar como é possível arrancar histórias curiosas de números complexos, se você escolher muito cuidadosamente tanto as primeiras quanto os segundos.
Sim, está lá, baseado em estatísticas: a legalização do aborto em 1973 coincidiu com o início da queda na criminalidade dos Estados Unidos duas décadas depois. "Coincidiu" não é igual a "provocou", necessariamente. Vinte anos depois da decisão da Suprema Corte, Nova York sofreu a maior nevasca de sua história, e o seriado cômico "Friends" estreou na televisão.
Nenhum dos dois eventos foi causado pela ausência de filhos indesejados nos bairros pobres e de maioria negra de Chicago, aparentemente. Quando entrevistei Levitt em 2005, o economista já havia alertado que a intenção de seu livro era contar bons casos, transformar teses impenetráveis em artigos palatáveis para o leitor comum -não fazer programa de governo para brasileiros.
(Na entrevista, Levitt daria uma resposta que ecoaria involuntariamente na fala da semana passada do governador Sérgio Cabral: "Eu adoraria fazer uma pesquisa sobre o crime em algumas áreas do Rio de Janeiro em que a presença da polícia é inexistente, mas nunca consegui encontrar dados suficientes para trabalhar".)
No caso do aborto legal = queda da criminalidade, críticos da ilação apontam duas falhas. A primeira é não levar em conta o ciclo virtuoso de crescimento econômico que começou mais ou menos na mesma época e que garantiu o sucesso dos dois mandatos de Bill Clinton -há até quem diga que o presidente democrata deu sorte, pois pouco importava quem estava à frente do país, a economia cresceria do mesmo jeito, como continua fazendo com George W. Bush também há dois mandatos.
A segunda é não levar em conta a política de tolerância zero implantada na mesma época pela polícia de grandes cidades como Nova York, o que teria ajudado a reduzir o índice de criminalidade e colocado o resto do país num "efeito cascata" que dura até hoje. Importante dizer que as três teses -legalização do aborto, crescimento econômico e tolerância zero- não são excludentes; são apenas isso, teses.
Cabral não é o primeiro a derrapar em números escorregadios. O problema de levar estatísticas demasiadamente a sério é tão comum que rendeu frases memoráveis -"O ser humano tem em média um seio e um testículo" é uma delas; "Estatísticas são como biquíni: o que revelam é sugestivo, mas o que escondem é vital" é outra.
A melhor foi dita pelo escritor escocês Andrew Lang (1844-1912): "Ele usa estatística como um homem bêbado usa um poste -para apoio, não para iluminação".


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