São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Após crimes, cultura punk volta a ser alvo de discussão

Para a socióloga Rosa Schwartz, esses ataques "são fatos isolados, de indivíduos'

Só há um ataque recorrente para a maioria dos punks: os espancamentos entre as gangues rivais, em especial, contra os chamados "nazis"

GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA

Lembra-se de quando a banda Garotos Podres, na música "Papai Noel Velho Batuta", despejou todo o seu ódio no bom velhinho ("Aquele porco capitalista/ Presenteia os ricos/ Cospe nos pobres")? Era só rock, ironia e uma atitude punk irrepreensível. Nada a ver com violência física, mas com uma agressividade lúdica típica -o uso de uma figura pop para ilustrar o ódio ao capitalismo.
Hoje, xingar Papai Noel nem tem mais graça. Os desenhos "Os Simpsons" e "South Park", por exemplo, já difundiram esse tipo de humor pelo planeta.
A ideologia punk e seus códigos visuais já foram incorporados pelo sistema. Moicano virou carne de vaca, e punk rock toca até em rádio AM.
O que não foi absorvida nem adaptada é a violência por parte de um movimento cujas bases têm raízes pacifistas. Depois dos crimes atribuídos a punks -o espancamento de um jovem neste mês e mais outros três os assassinatos-, a cultura punk voltou a ser discutida.
Para muitos representantes da velha guarda, que ainda se orgulham do coturno surrado e do moicano espetado com sabão, esses ataques são obra de um ou outro sujeito que não pegou o espírito da coisa.
"Briga entre gangues sempre existiu. Mas esses que mataram um atendente de lanchonete [em São Paulo] são arruaceiros. Isso não tem nada a ver com o punk. São pessoas que olharam para as coisas que nós fizemos no passado, mas que não entenderam nada", diz Gildo, 40, vocalista da banda Pátria Armada.
Se levado em consideração o depoimento de Gildo, e de outros punks ouvidos pela reportagem, há só um crime que pode ser considerado recorrente.
O espancamento de um estudante na avenida Tiradentes (região central), no último dia 20, retrata um comportamento antigo, como atesta a historiadora e socióloga especialista em movimentos sociais urbanos Rosa Schwartz: "Jovens que se juntam a partir de uma identidade e que, depois, percebem que ganharam força existem desde os anos 50, época do nascimento das gangues".

Ciranda de tribos
Punks que apanham de carecas, que batem em góticos, que apanham dos punks. A ciranda entre grupos urbanos remonta à uma época em que as fronteiras entre os bandos eram nítidas. Hoje, uma cultura de rua mais híbrida propicia não apenas a convivência entre tribos díspares como também prega a fusão de estilos. Assim, clubber ouve rock, roqueiro freqüenta festas de rap, manos vão a festas de playboys e o ambiente urbano se reveste de tolerância.
A onda de ataques punks contra cidadãos comuns, sem nenhuma ligação com grupos rivais, ergue dúvidas: eram os punks pacifistas?
Na São Paulo de hoje, os punks, em geral, não perdoam os "nazis", abreviação de nazistas, como são identificados os integrantes de bandos de movimento de extrema direita -os mais conhecidos são os white powers, que divulgam idéias fascistas. O menino espancado, por exemplo, foi reconhecido como sendo de uma dessas gangues. A família do jovem não se manifesta sobre o assunto.
"Se a gente tromba com um nazista, rola treta. Bater é uma forma de desconstruir o outro movimento", diz Ana (nome fictício), punk de Santo André. Quem observa de fora acha o contrário. "Esse comportamento pode fortalecer o adversário. Porque vai haver reação. A tendência é fazer crescer o ódio que já existe entre os grupos", diz a socióloga.

Transformação
Mas como explicar o ódio a quem nunca fez parte de bando, a exemplo dos assassinatos do francês Gregor Landouar e do garçom John Clayton Moreira Batista, ambos em junho, e do atendente de lanchonete Jailton de Souza Pacheco, no último dia 14? "São fatos isolados, de indivíduos. Eu vejo aí, no entanto, uma transformação do movimento. Esses crimes não são da cultura punk. Mas, quando analisadas coisas que acontecem no espaço urbano, como exclusão da periferia, você pode entender esse comportamento", defende Rosa.
A opinião da acadêmica encontra eco entre os punks. Boa parte deles responde com rejeição aos praticantes de violência. "Essa galera que ainda sai não mão tem a cabeça muito fechada", diz o artista Fábio Fozer, 27, punk que não participa de turmas e que viu os punks surgirem nos anos 80, em São Bernardo do Campo.
Ele lembra da imagem de vários ônibus lotados de punks indo para a balada, coisa que, diz ele, não se vê mais no ABC. Hoje, o artista dá aulas para crianças em uma escola municipal de Guarulhos.
"Tá todo mundo puto com esses caras, são uns ignorantes", diz o punk Mário (nome fictício), 31.
Para Rosa, essas diferenças de atitude acontecem por que "a cultura punk não é nada uniforme". "Muitos até consideram esses assassinos como traidores. Por isso, cada turma tem de ser analisada separadamente. Há diversidade de idéias. Não dá para generalizar."

Leia mais sobre os punks em www.uol.com.br/revista


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