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Após crimes, cultura punk volta a ser alvo de discussão
Para a socióloga Rosa Schwartz, esses ataques "são fatos isolados, de indivíduos'
Só há um ataque recorrente
para a maioria dos punks: os
espancamentos entre as
gangues rivais, em especial,
contra os chamados "nazis"
GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA
Lembra-se de quando a banda Garotos Podres, na música
"Papai Noel Velho Batuta", despejou todo o seu ódio no bom
velhinho ("Aquele porco capitalista/ Presenteia os ricos/
Cospe nos pobres")? Era só
rock, ironia e uma atitude punk
irrepreensível. Nada a ver com
violência física, mas com uma
agressividade lúdica típica -o
uso de uma figura pop para
ilustrar o ódio ao capitalismo.
Hoje, xingar Papai Noel nem
tem mais graça. Os desenhos
"Os Simpsons" e "South Park",
por exemplo, já difundiram esse tipo de humor pelo planeta.
A ideologia punk e seus códigos visuais já foram incorporados pelo sistema. Moicano virou carne de vaca, e punk rock
toca até em rádio AM.
O que não foi absorvida nem
adaptada é a violência por parte
de um movimento cujas bases
têm raízes pacifistas. Depois
dos crimes atribuídos a punks
-o espancamento de um jovem
neste mês e mais outros três os
assassinatos-, a cultura punk
voltou a ser discutida.
Para muitos representantes
da velha guarda, que ainda se
orgulham do coturno surrado e
do moicano espetado com sabão, esses ataques são obra de
um ou outro sujeito que não pegou o espírito da coisa.
"Briga entre gangues sempre
existiu. Mas esses que mataram
um atendente de lanchonete
[em São Paulo] são arruaceiros.
Isso não tem nada a ver com o
punk. São pessoas que olharam
para as coisas que nós fizemos
no passado, mas que não entenderam nada", diz Gildo, 40, vocalista da banda Pátria Armada.
Se levado em consideração o
depoimento de Gildo, e de outros punks ouvidos pela reportagem, há só um crime que pode ser considerado recorrente.
O espancamento de um estudante na avenida Tiradentes
(região central), no último dia
20, retrata um comportamento
antigo, como atesta a historiadora e socióloga especialista
em movimentos sociais urbanos Rosa Schwartz: "Jovens
que se juntam a partir de uma
identidade e que, depois, percebem que ganharam força existem desde os anos 50, época do
nascimento das gangues".
Ciranda de tribos
Punks que apanham de carecas, que batem em góticos, que
apanham dos punks. A ciranda
entre grupos urbanos remonta
à uma época em que as fronteiras entre os bandos eram nítidas. Hoje, uma cultura de rua
mais híbrida propicia não apenas a convivência entre tribos
díspares como também prega a
fusão de estilos. Assim, clubber
ouve rock, roqueiro freqüenta
festas de rap, manos vão a festas de playboys e o ambiente
urbano se reveste de tolerância.
A onda de ataques punks
contra cidadãos comuns, sem
nenhuma ligação com grupos
rivais, ergue dúvidas: eram os
punks pacifistas?
Na São Paulo de hoje, os
punks, em geral, não perdoam
os "nazis", abreviação de nazistas, como são identificados os
integrantes de bandos de movimento de extrema direita -os
mais conhecidos são os white
powers, que divulgam idéias
fascistas. O menino espancado,
por exemplo, foi reconhecido
como sendo de uma dessas gangues. A família do jovem não se
manifesta sobre o assunto.
"Se a gente tromba com um
nazista, rola treta. Bater é uma
forma de desconstruir o outro
movimento", diz Ana (nome
fictício), punk de Santo André.
Quem observa de fora acha o
contrário. "Esse comportamento pode fortalecer o adversário. Porque vai haver reação.
A tendência é fazer crescer o
ódio que já existe entre os grupos", diz a socióloga.
Transformação
Mas como explicar o ódio a
quem nunca fez parte de bando, a exemplo dos assassinatos
do francês Gregor Landouar e
do garçom John Clayton Moreira Batista, ambos em junho,
e do atendente de lanchonete
Jailton de Souza Pacheco, no
último dia 14? "São fatos isolados, de indivíduos. Eu vejo aí,
no entanto, uma transformação do movimento. Esses crimes não são da cultura punk.
Mas, quando analisadas coisas
que acontecem no espaço urbano, como exclusão da periferia,
você pode entender esse comportamento", defende Rosa.
A opinião da acadêmica encontra eco entre os punks. Boa
parte deles responde com rejeição aos praticantes de violência. "Essa galera que ainda sai
não mão tem a cabeça muito fechada", diz o artista Fábio Fozer, 27, punk que não participa
de turmas e que viu os punks
surgirem nos anos 80, em São
Bernardo do Campo.
Ele lembra da imagem de vários ônibus lotados de punks
indo para a balada, coisa que,
diz ele, não se vê mais no ABC.
Hoje, o artista dá aulas para
crianças em uma escola municipal de Guarulhos.
"Tá todo mundo puto com
esses caras, são uns ignorantes", diz o punk Mário (nome
fictício), 31.
Para Rosa, essas diferenças
de atitude acontecem por que
"a cultura punk não é nada uniforme". "Muitos até consideram esses assassinos como traidores. Por isso, cada turma tem
de ser analisada separadamente. Há diversidade de idéias.
Não dá para generalizar."
Leia mais sobre os punks em
www.uol.com.br/revista
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