São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"A Dilma" e "o Serra'


Na linguagem informal, o emprego do artigo antes de nome próprio de pessoa varia de região para região


NA ÚLTIMA SEGUNDA-FEIRA, como de costume, fui à Rádio e TV Cultura, para gravar os meus programas. Na rádio, pouco antes de começar o trabalho, presenciei a edição dos boletins da campanha presidencial, que chegam com alguns "offs", os quais anunciam a duração, o número de veiculações etc. E constatei que o locutor que dá as instruções se referia a Dilma Rousseff com o artigo "a" ("Boletim da Dilma" ou coisa que o valha).
No programa radiofônico e no televisivo de Dilma, ela é "a Dilma", e Serra é "o Serra"; nos de Serra, muitas vezes ele também é "o Serra", e Dilma também é "a Dilma". Obviamente, isso se estende a passagens como "os projetos da Dilma/do Serra", "votar na Dilma/no Serra" etc.
Imagino que o prezado leitor já tenha notado que não empreguei o artigo definido antes dos nomes dos candidatos. Eu não usei, mas, a começar pelos "offs" da versão bruta dos boletins, passando pelos programas dos dois candidatos, o artigo vem a tiracolo, grudado nos nomes. E que diferença faz isso? Será que tanto faz? Ou será que depende? Ou nem depende nem tanto faz?
No Brasil, na linguagem oral, informal, o emprego do artigo antes de antropônimo ("nome próprio de pessoa") varia de região para região. No Nordeste, por exemplo, não há artigo. Lá, as pessoas vão votar "em Dilma" ou "em Serra" (ou em nenhum dos dois). É bom que se diga que lá a ausência do artigo não depende da relação que o falante tem com o/a "dono/a" do antropônimo. O nome próprio vem sempre sem o artigo definido, tanto na linguagem informal quanto na formal. No Nordeste, o carro é "de Paulo", "de Sílvia" etc. E o governo é "de Dilma", é "de Serra", seja no bate-papo, seja num escrito técnico, formal.
No Estado de São Paulo (e em vários outros da federação), a coisa muda. Na oralidade, nome de gente vem com o artigo (o carro é "do Paulo", "da Sílvia"; o governo é "da Dilma", "do Serra"). A presença do artigo parece dar à conversa uma conotação familiar, de intimidade. Na linguagem formal, sobretudo na escrita, o artigo desaparece. Se o caro leitor vasculhar todas as páginas desta Folha, não deverá encontrar nada parecido com "a/na/ pela Dilma", "o/no/pelo Serra". Bem, eu ia esquecendo a página do grande e inexorabilíssimo Zé Simão, em que, por motivos mais do que óbvios, os nomes dos dois candidatos sempre vêm precedidos do artigo definido.
Como se vê, as campanhas dos dois candidatos adotam o padrão do Sul/Sudeste do emprego do artigo antes de antropônimos. Como sou paulista, cada vez que ouço (na campanha) Dilma e Serra dizerem "o Serra" e "a Dilma" fico com a impressão de que ambos me são íntimos. E chego a achar que, por sermos íntimos, os dois e eu partilhamos problemas, angústias, desejos... Mas, quando vejo que ambos se põem a discutir religiosidade, aborto, casamento homossexual, ouço o barulhinho da ficha a cair: não temos nada em comum.
A opinião do presidente da República sobre esses temas me interessa tanto quanto a dos autoproclamados deuses da hiperultramegapós-modernidade linguística sobre... Sobre qualquer coisa.
Quando é que o Brasil vai aprender que se elege o/a presidente e não o imperador ou a imperatriz? Quando é que o Brasil vai entender o nome de cada poder da Nação? Quando é que o Brasil vai aprender, por exemplo, que a união homossexual é assunto do Legislativo e não do Executivo? Quando? Como diz Caetano Veloso em sua genial "Língua", "nomes de nomes...". Que tal aprender o porquê e o significado dos nomes, em qualquer esfera do conhecimento? Que tal? É isso.

inculta@uol.com.br


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