São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 2000

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MARILENE FELINTO
De saias e sem século

A notícia de que a formação de normalistas -as antigas "professorinhas" primárias que frequentavam o curso normal- começa a se extinguir no Brasil e de que o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) tem pela primeira vez duas mulheres entre seus formandos parece coisa do século passado -do século 19, quero dizer.
A indicação da primeira mulher -a juíza Ellen Northfleet- para o STF (Supremo Tribunal Federal) em toda a história republicana causa a mesma impressão. Antes de serem um sinal dos tempos a se festejar, esses fatos não indicam senão que as mulheres ainda estão num estágio de atraso espantoso.
O Instituto de Educação do Rio de Janeiro, tradicional reduto de normalistas desde sempre, encerra em dezembro próximo seu curso normal. Segundo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a partir de 2007 (e só então!) todo professor primário precisará ter nível superior.
Não é difícil imaginar por meio de que raciocínio chegou-se à criação dessa lei: certamente concluiu-se que as crianças precisam ser melhor educadas, e não que as mulheres -as professoras- merecem um curso superior. Para elas, prevaleceria o raciocínio de 30 anos atrás, o de que lhes bastava uma formação apenas média (de normalista de saia pregueada, de preferência insinuando uma calcinha branca, casta) e um bom casamento.
No caso do ITA, em seus 50 anos de existência formando uma elite de profissionais do setor aeroespacial, de engenheiros a astronautas, somente em 1996 mulheres começaram a ser admitidas ali. O ITA, que fica em São José dos Campos (SP), se vangloria de ser a melhor escola do gênero na América Latina. As duas únicas saias que já passaram por seu rigoroso vestibular e pela dureza de seus bancos se formam este ano.
Progresso? Menos isso do que a impressão de que a condição feminina é a de quem está sempre de saias num vácuo entre séculos, à espera do próximo constrangimento. Por essas e outras é que o apresentador de TV Jô Soares perguntou à prefeita eleita de São Paulo, na semana passada, se é verdade que ela gosta de usar calcinhas vermelhas!
A prefeita se saiu bem na resposta: em vez de mandar o apresentador para aquele lugar (o que certamente teve vontade de fazer), recomendou-lhe perguntar ao presidente FHC a cor de sua cueca quando tivesse oportunidade de entrevistá-lo.
Progresso? "Até mesmo esse reconhecimento, conquistado pelas mulheres muito mais do que proferido pelo homem, tem sido maculado pelo egoísmo costumeiro. Tanto se fala de mulheres serem melhor educadas para que se tornem melhores companheiras e mães para os homens. As mulheres se apoderaram de tantos domínios para os quais os homens as julgavam inadequadas, que embora isso ainda signifique que há alguns domínios inacessíveis a elas, é difícil dizer onde exatamente elas vão parar."
Essas palavras foram escritas por Margaret Fuller (1810-1850), a primeira grande jornalista norte-americana. Poderiam ter sido escritas hoje, não faria muita diferença.
Nada faz diferença. Minha amiga de 40 anos, dois filhos e um divórcio, disse a seu mais recente namorado: só faço sexo com você de novo se a gente namorar oficialmente, se você me disser onde vai estar hoje de noite e com quem, se a gente for se encontrar no sábado de noite etc. É isso. Ela me disse que eles estão vivendo assim a "crise da oficialidade". O amor é velho e as mulheres seguem se sentindo esse objeto de saias no entresséculos.

E-mail - mfelinto@uol.com.br


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