São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

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RELIGIÃO

Há templos destinados a punks, a góticos, a surdos e a homossexuais e alguns que funcionam em garagens de casas

São Paulo abre uma igreja a cada dois dias

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma igreja para punks e góticos. Uma para surdos. Outra para quem gosta de black music. Mais uma só para gays. Em São Paulo, só não vai à igreja quem não quer.
A cada dois dias, pelo menos um novo templo é aberto na cidade, sem contar os que funcionam sem nenhuma autorização em garagens de casas.
Tem igreja para todo tipo de fiel e nome para todos os gostos. É possível encontrar desde a Geração dos Filhos de Abraão até a Deus é Tremendo, passando por São Kim Degun e O Caminho para a Vida Eterna.
Aos sábados, quem pára em frente à Deus é Tremendo, na zona sul, jura de pés juntos que ali não funciona uma igreja. Em vez de sermões, o que se ouve são bandas de música black colocando os fiéis para dançar. É o festival Janeiro Negro, que leva a palavra de Deus a jovens, muitos deles viciados em drogas.
O pastor Sérgio Marques, 58, fundador do templo de linha evangélica pentecostal, explica que o seu objetivo é recuperar fiéis mais jovens e "colocá-los no caminho de Deus".
Para isso, muita linguagem informal e música. A igreja já existe há cinco anos, mas foi ampliada no ano passado e atende cada vez mais fiéis, diz Marques. "Tudo foi feito regularmente."
A São Kim Degun tem nome coreano, mas é católica. Aberta no ano passado no centro da cidade, também seguiu todas as normas da prefeitura já que foi construída justamente para ser um templo religioso. É a mais nova igreja da Arquidiocese de São Paulo.

Crescimento
De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação, apenas no ano passado, 41 plantas foram aprovadas para a construção de novas igrejas.
A grande maioria dos templos religiosos, no entanto, não é construída especificamente para este fim. Eles são abertos em imóveis já existentes e apenas pedem a mudança de uso para ficarem isentos de IPTU.
Em 2005, de acordo com a Secretaria Municipal das Finanças, 2.675 imóveis pediram a isenção -245 a mais do que em 2004 (é preciso renovar o pedido anualmente). Assim, se somadas as 245 novas isenções com as 41 novas plantas aprovadas, há 286 novas igrejas em um ano, uma média de 0,8 por dia.
Não há, no entanto, estatísticas sobre os imóveis que já tinham isenção do imposto e que se tornaram templos nem estimativas sobre o funcionamento de igrejas sem qualquer autorização.
A prefeitura também não sabe dizer o total de templos legais que estão em atividade atualmente. O último dado, da Secretaria da Habitação, é de 1998. Na época, 4.300 estavam funcionando.
Tanta igreja acabou confundindo a cabeça da dona-de-casa Maria Aparecida Costa, 42, moradora de Parelheiros, zona sul. Criada católica, se converteu ao espiritismo há 15 anos, quando abriram um templo na rua onde morava. "Passei a ir nas sessões, mas aos poucos fui me perguntando se estava convicta daquilo", conta.
"Já estava descrente quando, há cinco anos, comecei a freqüentar os cultos de uma igreja evangélica do bairro. Também não me encontrei e hoje rezo em casa. Só queria saber quantos templos têm nesta cidade, para onde a gente olha, encontra um diferente."

Descontentes
Professor de sociologia da religião na pós-graduação da PUC-SP, Edin Abumanssur diz que é muito difícil precisar o número de igrejas da cidade, até porque elas abrem e fecham constantemente. Para ele, esses templos servem para expressar a fé de alguns fiéis descontentes.
"As pessoas criticam a sua religião, se frustram e abrem a sua própria igreja. Há dez anos, esse processo era mais institucionalizado, com regras muito mais rígidas." Além disso, elas podem ser bastante rentáveis, lembra.
Também da PUC-SP, o ex-padre e professor de teologia e ciências da religião, Fernando Altemeyer, concorda. "Nunca se fundou tanta igreja porque a iniciativa dá dinheiro."
Por observação, ele opina que, para cada igreja católica, abrem dez evangélicas. "As regras são menos rígidas e o mercado é grande. Além disso, qualquer um pode abrir um templo, basta escolher o nome. No Brasil, pode tudo, afinal Deus é brasileiro."


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