São Paulo, quinta, 29 de janeiro de 1998

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INCULTA & BELA
Os Tigres e os acentos

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Na semana passada, denunciei nesta coluna uma barbaridade contra a língua portuguesa e contra as crianças brasileiras. Tratava-se do caso de livros infantis, importados de Hong Kong, escritos em uma língua parecida com a nossa, mas repletos de absurdos gráficos e sintáticos.
Os Tigres Asiáticos resolveram pintar e bordar por aqui. Desta vez, a interminável crise nas bolsas fez uma nova vítima, a moeda da Indonésia, a gloriosa rupia.
Tenho ouvido, em vários telejornais e também em muitas emissoras de rádio, que "a 'rúpia' desvalorizou x% em relação ao dólar".
Além do problema de regência (uma moeda não desvaloriza, nem valoriza em relação a outra; uma moeda se desvaloriza ou se valoriza), existe um de prosódia ("pronúncia regular das palavras, com a devida acentuação", segundo o dicionário Aurélio).
Na verdade, existe um problema maior: o desconhecimento das regras de acentuação da língua portuguesa.
Lembro-me de uma repórter de televisão, de nome Tamara. Preocupada em não ser confundida com uma fruta natalina, a jornalista registrava seu nome na tela com um acento agudo no segundo "a" (Tamára).
Ora, não é preciso acento para que se leia "Tamára"; é preciso acento para que se leia "Tâmara", proparoxítona.
O sistema de acentuação da língua portuguesa é interessantíssimo. Pegue qualquer texto deste jornal, mas qualquer um mesmo. Escolha um parágrafo e conte as palavras que há nele. Depois, procure as proparoxítonas. Garanto (aposto quanto você quiser) que são minoria -algo entre 8% e 12%, em média.
Todas as proparoxítonas são acentuadas, exatamente porque são as palavras mais raras da língua.
Sobram as oxítonas e as paroxítonas. Para as duas, aplica-se o mecanismo de exclusão -o que se acentua num caso não se acentua no outro.
Pegue como exemplo as palavras terminadas em "r". A supermaioria é de palavras oxítonas. Basta lembrar que os verbos todos terminam em "r" e são oxítonos. As paroxítonas terminadas em "r" são poucas, pouquíssimas. O que se acentua? As paroxítonas, é claro. Éter, mártir, açúcar, caráter são bons exemplos.
Voltando à moeda da Indonésia, basta saber que as oxítonas terminadas em "a" são acentuadas, como Pará, Paraná, vatapá, oxalá etc. Consequentemente, as paroxítonas terminadas em "a" não são acentuadas. E é esse o caso de Maria, dizia, fazia, dia. Essas palavras são paroxítonas, sim. A divisão silábica de Maria é "Ma-ri-a", e a sílaba tônica é "ri". Se as oxítonas terminadas em "a" têm acento, as paroxítonas não têm.
Já as paroxítonas terminadas em ditongo (ia, ie, io, ua, ue, uo, entre outros) recebem acento (diária, cárie, sábio, árdua, tênue, vácuo). É esse o caso de rúpia, que não é o nome da moeda. O dicionário explica que "rúpia" é "gênero de plantas monocotiledôneas, aquáticas...".
O nome da moeda é mesmo rupia, com força no "i", como se faz em dia, Maria, vadia, corria, dizia, nostalgia etc.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna todas as quintas-feiras


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