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EPIDEMIA INVISÍVEL 2
Vítima de suicídio é cada vez mais jovem
do Conselho Editorial e
da Reportagem Local
Sentado diante de psicólogas do
Hospital Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, no Jabaquara (São Paulo),
mês passado, um menino de 10
anos explicou calmamente como
tinha tentado, poucas horas antes,
se matar.
Transtornado porque o pai parou de visitá-lo devido à gravidez
da nova mulher, ele entrou no banheiro de sua casa, retirou um dos
cadarços do tênis, fez um laço e
envolveu-o no pescoço.
Teve o cuidado de checar se o nó
estava firme. Amarrou o cadarço
improvisado de forca no alto da
porta. Sem hesitar e antes que alguém aparecesse, projetou-se no
ar, encolhendo as pernas.
Num tom calmo e seguro, contou que estava decidido a não gritar por socorro. Sua mãe, porém,
ouviu um barulho estranho, chamou o filho e não ouviu resposta.
Chegou a tempo de desatar a forca.
As psicólogas estavam impressionadas, em particular, com a
frieza do menino. Em nenhum
momento demonstrou arrependimento, apenas achava que a vida
tinha perdido sentido e o melhor
alívio seria acabar logo com tudo.
"Tenho 25 anos de psiquiatria,
trabalho em diferentes hospitais e
noto que não apenas aumenta o
número de casos, mas cai a idade
das vítimas", afirma Frederico
Carvalho, coordenador de saúde
mental do Hospital Saboya.
É o mesmo que pensa um dos
mais respeitados psiquiatras infantis do país, Haim Gruspun, responsável por uma clínica em São
Paulo que reúne, além de psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos.
"Tem piorado ano a ano", afirma Gruspun, vendo uma onda
crescente de estresse, frustração e
depressão entre jovens e crianças.
O Hospital Saboya é um ponto
estratégico. Lá está um dos principais centros do país de prevenção
e tratamento contra vítimas de intoxicação - serve, portanto, de
alarme sobre os níveis de suicídio.
Os médicos comentam, atônitos, sobre as estatísticas. O chefe
do centro de intoxicação, Sérgio
Graff, conta que, certa vez, tratou
de um menino de 5 anos que chegou intoxicado devido ao consumo excessivo de medicamentos.
"Perguntei o que tinha acontecido, esperava ouvir como resposta
distração ou coisa parecida. Mas
ele disse que tinha tentado se matar", relembra Sérgio Graff.
Cinco anos de idade é pouco,
mas não é o recorde. Em janeiro
passado, foi atendida no Saboya
uma menina de 4 anos.
Na faixa dos 10 aos 14 anos, os
prontuários indicam a média de
um caso por dia; de 15 a 19 anos,
dois casos diários.
"Estamos diante de um grave
problema de saúde pública, desconhecido de pais, professores e,
pior, governantes", critica o pediatra Anthony Wong, chefe do
Centro de Assistência Toxicológica da USP (Ceatox).
Reflexo da falta de preocupação
nacional, as estatísticas são falhas
e incompletas. É unânime a opinião entre os especialistas de que
se capta nos registros oficiais uma
pequena amostragem.
O psiquiatra Antonio Egidio
Nardi, do Instituto de Psiquiatria
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (IP/UFRJ), autor do livro
"Questões Atuais Sobre Depressão", acredita que a taxa anual de
suicídio real seja o dobro da oficial, estimada em 7,2 casos por 100
mil habitantes.
Desinformação e ignorância são
misturadas ao preconceito. Ter
seu nome vinculado à depressão
ou, pior, à tentativa de suicídio, é
um estigma capaz de barrar a entrada no mercado de trabalho.
É o círculo vicioso. Tenta-se o
suicídio como uma forma de fugir
da marginalização e da incompreensão, mas se acaba mais marginalizado e incompreendido.
A imensa maioria daqueles que
tentam não querem, de fato, se
matar. Daí que as mortes sejam inferiores ao número de tentativas.
O próprio Wong alertou pais cujos filhos demonstravam sinais de
perturbação psicológica. "Eles não
ouviam, negavam, e depois soube
que os filhos morreram de algum
tipo de overdose", lamenta.
"A verdade é que a imensa maioria das pessoas, mesmo as mais informadas, acham que uma criança
não tem razões para se matar. Afinal, estão livres dos problemas",
constata Sônia Friedrich, a primeira psiquiatra a fazer uma investigação sobre o suicídio infantil, quando trabalhava no Hospital
das Clínicas, em São Paulo.
Pais sentem vergonha de revelar
a crise emocional dos filhos, tentativas de suicídio são mascaradas
como acidentes, hospitais privados não fazem registro a pedido da
família ou porque o seguro não
paga esse tipo de internação.
Com ajuda de psicólogos, Gruspun investigou o passado de jovens que morreram afogados. Testou as circunstâncias do afogamento, entrevistou famílias. "Descobrimos que muitos deles se suicidaram", garante.
"Pode multiplicar por várias vezes os números oficiais", sugere
Rosany Bochner, responsável pelo
setor de estatística do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicos (Sinitox).
O país tem apenas 30 centros de
controle, todos com dificuldades
de captação de dados.
Todos os indicadores disponíveis apontam, porém, para um aumento crescente de casos.
Desde 1991, Anthony Wong
monta a estatística mais completa
do país. Em todas as faixas de idade, constata-se crescimento. Entre
15 e 19 anos, em 1993, por exemplo, eram 102 casos. Pouco menos
do que nos primeiros seis meses
do ano passado.
(GILBERTO DIMENSTEIN E MARCELO OLIVEIRA)
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