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EPIDEMIA INVISÍVEL 4
Amor mata depressão de surfista de trem
da Reportagem Local
Morrendo de medo e escorregando, Isis Medeiros tinha 12 anos
quando surfou pela primeira vez
num vagão de trem de subúrbio,
em Franco da Rocha (Grande São
Paulo). Os amigos não acreditavam que ela fosse capaz e apostaram uma caixa de cerveja.
"No começo, aos 11, eu estava na
6ª série, eles surfavam e eu ficava
do lado de dentro, mas era "mó'
chato. Depois, comecei a viajar na
porta, na escadinha, até o dia em
que fizeram a aposta."
A viagem durou cinco anos e
muitas cervejas. Nesse período,
Isis, hoje com 18 anos, sentiu o
vento no rosto, o cabelo esvoaçando e a sensação de que, se morresse, não faria diferença para ninguém. "Tanto faria se eu morresse.
Era isso que eu pensava."
O surfe ferroviário era o seu grito por ajuda diante de uma educação rígida que teve dos pais.
"Para eles, o que eu pensava não
interessava. Quando eu chegava
calada em casa, em vez de perguntarem o que eu tinha, queriam saber o que eu tinha aprontado."
A depressão de Isis explodiu de
vez em 95, quando ela sofreu um
grande trauma que até hoje se recusa a comentar.
No ano seguinte, quando cursava magistério, brigava até com a
diretora da escola. "Eu me irritava
fácil. Ela percebeu algo errado e
me mandou para a psiquiatra."
Isis foi tratada pela psiquiatra
Soraia Canasiro, que receitou terapia de grupo.
"Faltava às sessões do grupo,
mas não perdia as individuais. Desabafava e fui melhorando. Com o
tempo, achei coisas mais interessantes para fazer."
O tratamento recebeu ainda uma
ajuda inesperada. "Depredaram
quase toda a linha Santos-Jundiaí
e o trem ficou interditado por
muito tempo, quase um ano."
Foi quando conheceu o namorado, Alecsandro Araújo, 19, cobrador de ônibus. "Ele é quietão. Eu o
provocava e ele escondia o rosto
atrás do jornal. Um dia falei: "Você
prefere a mim ou ao jornal?'. No
fim de 96 a gente já namorava."
Isis está grávida de 3 meses. Há
três semanas, a descoberta da gravidez causou o rompimento definitivo com o pai. Alecsandro a levou para a casa da mãe dele, onde
os dois vivem juntos.
No ano que vem ela quer cuidar
do filho, voltar a estudar no horário noturno e terminar o 2º grau.
Os dois sonham ir para bem longe.
"Tenho essa vontade de sair daqui
para um lugar em que não conhecessem bem a gente."
Isis não tem pressa. "Eu vivo o
meu presente. Não fico mais remoendo o passado, como fazia antes. Meu apelido era "Zica' porque
eu era mesmo uma encrenqueira."
Hoje, a depressão é apenas passado. "Eu não penso mais em
morte porque hoje eu sei que alguém pensa em mim."
(MO)
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