São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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EPIDEMIA INVISÍVEL 4
Amor mata depressão de surfista de trem

da Reportagem Local

Morrendo de medo e escorregando, Isis Medeiros tinha 12 anos quando surfou pela primeira vez num vagão de trem de subúrbio, em Franco da Rocha (Grande São Paulo). Os amigos não acreditavam que ela fosse capaz e apostaram uma caixa de cerveja.
"No começo, aos 11, eu estava na 6ª série, eles surfavam e eu ficava do lado de dentro, mas era "mó' chato. Depois, comecei a viajar na porta, na escadinha, até o dia em que fizeram a aposta."
A viagem durou cinco anos e muitas cervejas. Nesse período, Isis, hoje com 18 anos, sentiu o vento no rosto, o cabelo esvoaçando e a sensação de que, se morresse, não faria diferença para ninguém. "Tanto faria se eu morresse. Era isso que eu pensava."
O surfe ferroviário era o seu grito por ajuda diante de uma educação rígida que teve dos pais.
"Para eles, o que eu pensava não interessava. Quando eu chegava calada em casa, em vez de perguntarem o que eu tinha, queriam saber o que eu tinha aprontado."
A depressão de Isis explodiu de vez em 95, quando ela sofreu um grande trauma que até hoje se recusa a comentar.
No ano seguinte, quando cursava magistério, brigava até com a diretora da escola. "Eu me irritava fácil. Ela percebeu algo errado e me mandou para a psiquiatra."
Isis foi tratada pela psiquiatra Soraia Canasiro, que receitou terapia de grupo.
"Faltava às sessões do grupo, mas não perdia as individuais. Desabafava e fui melhorando. Com o tempo, achei coisas mais interessantes para fazer."
O tratamento recebeu ainda uma ajuda inesperada. "Depredaram quase toda a linha Santos-Jundiaí e o trem ficou interditado por muito tempo, quase um ano."
Foi quando conheceu o namorado, Alecsandro Araújo, 19, cobrador de ônibus. "Ele é quietão. Eu o provocava e ele escondia o rosto atrás do jornal. Um dia falei: "Você prefere a mim ou ao jornal?'. No fim de 96 a gente já namorava."
Isis está grávida de 3 meses. Há três semanas, a descoberta da gravidez causou o rompimento definitivo com o pai. Alecsandro a levou para a casa da mãe dele, onde os dois vivem juntos.
No ano que vem ela quer cuidar do filho, voltar a estudar no horário noturno e terminar o 2º grau. Os dois sonham ir para bem longe. "Tenho essa vontade de sair daqui para um lugar em que não conhecessem bem a gente."
Isis não tem pressa. "Eu vivo o meu presente. Não fico mais remoendo o passado, como fazia antes. Meu apelido era "Zica' porque eu era mesmo uma encrenqueira."
Hoje, a depressão é apenas passado. "Eu não penso mais em morte porque hoje eu sei que alguém pensa em mim." (MO)


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