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100 anos da imigração japonesa
Convidado da corte, 1º japonês no país teve de se virar na República
Wasaburo Otake veio 18 anos antes da chegada do navio Kasato Maru; aqui, foi surpreendido pela Proclamação da República
Seu português fluente serviu para a tradução dos documentos da primeira leva de imigrantes que saíram da Ásia em direção ao Brasil
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
O centenário da imigração japonesa tem pra lá de cem anos.
Duas décadas antes da chegada
dos 781 viajantes que saíram de
Kobe em 28 de abril de 1908 e
chegaram ao porto de Santos
52 dias depois, em 18 de junho,
um garoto de 17 anos, filho de
aristocratas, tornava-se o primeiro imigrante de origem
asiática a ter registro de mudança para o Brasil.
A história de Wasaburo Otake começa com a chegada da
missão de oito oficiais da Marinha brasileira em visita ao Japão. Como ninguém por lá falava português, nem ninguém de
cá sabia japonês, o inglês foi
usado como língua intermediária -e Otake foi designado intérprete da comitiva.
Logo ganhou a simpatia de
Augusto Leopoldo, neto do imperador dom Pedro 2º, que o
convidou a acompanhá-lo em
sua viagem de volta ao Brasil.
Com o navio ainda na Ásia, o
príncipe foi obrigado a descer.
A República era proclamada e a
família real teve que se afastar
das instituições brasileiras.
Ao chegar ao Rio, Otake já
não contava com a proteção da
corte. Teve de se virar, aprender português e terminou por
ingressar na Escola Naval.
Maquinista
Aqui, ele estudou, aprendeu a
língua e recebeu o diploma de
"maquinista de quarta classe de
barcos a vapor de comércio",
que levava a assinatura do comandante do navio que o trouxe, o contra-almirante Custódio de Mello. O documento está
em exibição no Museu Histórico da Imigração Japonesa, na
Liberdade (zona oeste de SP).
Curiosamente, Mello foi um
dos líderes da Revolta da Armada contra o então presidente da
República, Floriano Peixoto.
Em meio àquela agitação política da Marinha contra o Exército, Otake quis lutar com os colegas marinheiros. Foi desautorizado por ser estrangeiro e deixou a Escola Naval.
Em 1894, ano da primeira
guerra sino-japonesa, ele foi
chamado de volta ao Japão.
Mas a distância e a precariedade dos meios de transporte não
o deixaram chegar a tempo.
Chegou só no ano seguinte, depois do fim do conflito, e foi investigado por deserção.
Três anos depois, com a abertura da legação brasileira no Japão, a primeira missão diplomática de caráter permanente
naquele país, Otake foi nomeado tradutor e intérprete.
Seu português fluente serviu
para a tradução dos documentos da primeira leva de imigrantes japoneses que saíram
da Ásia, no navio Kasato Maru.
Dava dicas da culinária brasileira, como comer feijão salgado, tomar café quente e a adoração a santos desconhecidos.
Depois de 30 anos de pesquisa, Otake lançou, em 1918, o primeiro dicionário português-japonês, que teve várias edições.
Os primeiros exemplares traziam os ideogramas ao lado das
letras, a fim de ajudar na leitura. Em 1925, concluiu a versão
japonês-português da obra, que
foi trazida pelos imigrantes que
chegaram em diversos navios
nos anos seguintes.
"Simultaneamente a esse
trabalho, Otake lecionou português aos interessados. As
duas obras são consideradas
monumentais e foram utilizadas por todos quantos se iniciaram na aprendizagem da língua
portuguesa do Brasil", diz o
professor de direito da USP e
estudioso da imigração japonesa Masato Ninomiya.
Otake ainda publicou os livros "A Chave para a Gramática
Portugueza" e "A Conversação
Japonez-Portuguez".
Jesuítas
Antes do dicionário de Otake,
a única tradução do japonês para o português havia sido feita
por padres jesuítas no início do
século 17, mas a obra era limitada a termos da pregação cristã.
"Antes de Otake, outros japoneses já haviam passado pelo
Brasil, como quatro pescadores
que naufragaram em Santa Catarina, em 1803", diz a historiadora Célia Oi. Mas deles não há
registro de imigração ou de mudança para o país.
Otake trabalhou na embaixada brasileira no Japão até 1942,
quando os dois países cortaram
relações diplomáticas em decorrência da 2ª Guerra.
Ele morreu em 23 de fevereiro de 1944, vítima de um infarto
e com sintomas de depressão, à
época em que o Eixo era considerado inimigo, sem contato
com os amigos que fez por aqui.
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