São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2008

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100 anos da imigração japonesa

Convidado da corte, 1º japonês no país teve de se virar na República

Wasaburo Otake veio 18 anos antes da chegada do navio Kasato Maru; aqui, foi surpreendido pela Proclamação da República

Seu português fluente serviu para a tradução dos documentos da primeira leva de imigrantes que saíram da Ásia em direção ao Brasil

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

O centenário da imigração japonesa tem pra lá de cem anos. Duas décadas antes da chegada dos 781 viajantes que saíram de Kobe em 28 de abril de 1908 e chegaram ao porto de Santos 52 dias depois, em 18 de junho, um garoto de 17 anos, filho de aristocratas, tornava-se o primeiro imigrante de origem asiática a ter registro de mudança para o Brasil.
A história de Wasaburo Otake começa com a chegada da missão de oito oficiais da Marinha brasileira em visita ao Japão. Como ninguém por lá falava português, nem ninguém de cá sabia japonês, o inglês foi usado como língua intermediária -e Otake foi designado intérprete da comitiva.
Logo ganhou a simpatia de Augusto Leopoldo, neto do imperador dom Pedro 2º, que o convidou a acompanhá-lo em sua viagem de volta ao Brasil.
Com o navio ainda na Ásia, o príncipe foi obrigado a descer. A República era proclamada e a família real teve que se afastar das instituições brasileiras.
Ao chegar ao Rio, Otake já não contava com a proteção da corte. Teve de se virar, aprender português e terminou por ingressar na Escola Naval.

Maquinista
Aqui, ele estudou, aprendeu a língua e recebeu o diploma de "maquinista de quarta classe de barcos a vapor de comércio", que levava a assinatura do comandante do navio que o trouxe, o contra-almirante Custódio de Mello. O documento está em exibição no Museu Histórico da Imigração Japonesa, na Liberdade (zona oeste de SP).
Curiosamente, Mello foi um dos líderes da Revolta da Armada contra o então presidente da República, Floriano Peixoto. Em meio àquela agitação política da Marinha contra o Exército, Otake quis lutar com os colegas marinheiros. Foi desautorizado por ser estrangeiro e deixou a Escola Naval.
Em 1894, ano da primeira guerra sino-japonesa, ele foi chamado de volta ao Japão. Mas a distância e a precariedade dos meios de transporte não o deixaram chegar a tempo. Chegou só no ano seguinte, depois do fim do conflito, e foi investigado por deserção.
Três anos depois, com a abertura da legação brasileira no Japão, a primeira missão diplomática de caráter permanente naquele país, Otake foi nomeado tradutor e intérprete.
Seu português fluente serviu para a tradução dos documentos da primeira leva de imigrantes japoneses que saíram da Ásia, no navio Kasato Maru. Dava dicas da culinária brasileira, como comer feijão salgado, tomar café quente e a adoração a santos desconhecidos.
Depois de 30 anos de pesquisa, Otake lançou, em 1918, o primeiro dicionário português-japonês, que teve várias edições. Os primeiros exemplares traziam os ideogramas ao lado das letras, a fim de ajudar na leitura. Em 1925, concluiu a versão japonês-português da obra, que foi trazida pelos imigrantes que chegaram em diversos navios nos anos seguintes.
"Simultaneamente a esse trabalho, Otake lecionou português aos interessados. As duas obras são consideradas monumentais e foram utilizadas por todos quantos se iniciaram na aprendizagem da língua portuguesa do Brasil", diz o professor de direito da USP e estudioso da imigração japonesa Masato Ninomiya.
Otake ainda publicou os livros "A Chave para a Gramática Portugueza" e "A Conversação Japonez-Portuguez".

Jesuítas
Antes do dicionário de Otake, a única tradução do japonês para o português havia sido feita por padres jesuítas no início do século 17, mas a obra era limitada a termos da pregação cristã.
"Antes de Otake, outros japoneses já haviam passado pelo Brasil, como quatro pescadores que naufragaram em Santa Catarina, em 1803", diz a historiadora Célia Oi. Mas deles não há registro de imigração ou de mudança para o país.
Otake trabalhou na embaixada brasileira no Japão até 1942, quando os dois países cortaram relações diplomáticas em decorrência da 2ª Guerra.
Ele morreu em 23 de fevereiro de 1944, vítima de um infarto e com sintomas de depressão, à época em que o Eixo era considerado inimigo, sem contato com os amigos que fez por aqui.


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